sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Os Monstros

Esta manhã, logo antes de acordar, estava tendo mais um pesadelo. Tudo no universo tentava me destruir, e eu igualmente tentava acabar com o que me fazia mal. E quando abri meus olhos, vi sua pele. Clara, pintada, macia. Eu te abraçava forte, e você segurava minha mão e a acariciava, como se dissesse, "está tudo bem".

Está tudo bem, foi o que eu te disse. Enquanto você lutar contra seus pesadelos, não estará sozinho, eu estarei ao seu lado, te dando forças. O frio lá fora não vai nos alcançar porque você tem o meu calor e eu tenho o seu. Esqueça o barulho das feras, você vai ficar mais calmo se escutar só o som que eu faço ao respirar.

Eu tenho medo do barulho que escuto aqui dentro. Alguma coisa estranha está caminhando aqui perto e estalando as tábuas do chão. As paredes estão ruindo e o teto está caindo. A minha casa está desabando de dentro pra fora, e você está dentro dela. Você ainda está dentro, a coisa mais preciosa que eu tenho, ainda está dentro dela.

Se o chão estalar, eu estarei aqui para te acalmar. Se as paredes ruírem, nós dois vamos consertar. Se cair o teto, eu vou estar do seu lado, te ajudando a suportá-lo. Você não precisa ter medo por mim, porque nada vai nos atingir enquanto formos um. Ponha a mão no meu peito e sinta meu coração pulsar. Isso é real, e só o que é real que importa.

Não há nada com o que eu me importe mais do que com você. Só há uma coisa que me faz tremer ao pensar, e essa coisa é te deixar desamparado ou te machucar. Se minha casa cair e o meu sono acabar, eu vou me livrar dos meus pesadelos, mas você os herdará. Eu não quero te deixar. Não quero viver sem você, e não quero que você viva sem mim.


Se é o futuro o que te acorda de noite, então pare de pensar nele. É só me abraçar mais forte. Nossas mãos estão dadas agora, e o agora é o que importa. Eu sabia dos seus pesadelos logo que te escolhi, e vou te dar forças enquanto sua luta durar. E quando ela acabar, nós olharemos para trás e ficaremos felizes de ver as conquistas e fracassos nossos.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Se Eu Não Preciso Pagar para Ter o Mundo

Eu estava em uma praia do Rio Janeiro. A areia fina se espalhava entre meus dedos, enquanto eu andava por entre as rochas da praia. O Sol estava se pondo atrás das montanhas, mas isso não impediu que o céu sobre o mar também se tornasse colorido. Vi um vulto sobre uma pedra. Era a sombra de um homem. Ele estava parado, quase não o percebi. Ele usava um chapéu estranho. Ele provavelmente era, como nós chamamos, um “bicho grilo”, um hippie meio rastafári.

Aproximei-me dele vagarosamente. Ele não se mexia. Ficava somente olhando as nuvens, o céu, o mar. De vez em quando uma onda batia na rocha onde ele se encontrava, molhando suas pernas e jogando várias gotas de água contra seu rosto. Eu achava que ele não tinha me percebido, mas ele começou a falar comigo:

-Como é lindo, né, errmão? – Sua fala simples e seu sotaque forte mostraram que ele era uma pessoa humilde.
-Sim, é lindo... – Eu respondi.
-Esse céu cheio de nuvens coloridass, esse marr hipnotizadorr, tudo é tão perrfeito... Sinto como se tudo fosse meu.

Passaram-se alguns momentos de silêncio. Aquele lugar era simplesmente perfeito. Só admirar a paisagem, ouvir os sons das ondas e dos pássaros, e sentir a brisa batendo em nosso rosto, já era extremamente tranquilizante. Ele estava certo, aquele lugar era lindo.

-Errmão, esse lugarr ainda é assim. Pena que daqui a alguns anoss, vai deixarr de existirr.
-Como assim? O que vai acontecer? Uma inundação, uma ressaca?
-Não, errmão... A natureza não se auto desstrói. É o homem que desstrói ela. Daqui a alguns anoss, essa praia vai esstar cheia de farofeiross. Eless vão montarr um monte de barracass pra venderr coisass. E a areia vai ficarr cheia de sujeira, cocoss parrtidoss, bitucass de cigarro, latass de cerrveja...
-Você tem razão. A chamada civilização vai acabar destruindo tudo isso.
-E não esstou falando só de poluição, sujeira. Porr enquanto, nóss temoss que andarr alguns minutoss numa trilha fechada para chegarr até aqui. Mass apossto que daqui a alguns anoss, vão abrir uma rua e essa praia esstará cheia de carross. Vai vir uma multidão de pessoass pra cá nas fériass. E não vai maiss ter graça para nóss. Vão desstruirr o nosso lugarzinho.

Fizemos silêncio outra vez. Ele dizia a verdade. Sempre que alguém acha um lugar bonito, em questão de anos esse lugar se torna habitado e feio. A parte mais divertida de ir para lá era ter que passar pela trilha, armar a nossa barraca sob as estrelas. Mas provavelmente iriam construir uma rua, várias pousadas, colocar energia elétrica, e tudo iria perder a graça. As pessoas não sabem aproveitar o que o mundo tem a nos oferecer.

-Errmão, e você sabe porr que tudo isso acontece?
-Por quê?
-Porr causa do dinheiro. Ass pessoass se torrnam cômodass. Acham que podem tudo se tiverem grana. Ou então não se imporrtam de desstruirr um lugarr como esse para conseguirem dinheiro.

Mais uma vez, concordei com ele. As pessoas que destroem aquele lugar para construir bares, pousadas, estão sempre atrás de dinheiro. E as pessoas que se hospedam lá, que poluem as praias com todo seu lixo, são aquelas que estão cômodas a aniquilar: Acham que tudo é só delas por que estão pagando, e por isso têm o direito de fazerem o que quiserem. Mas elas estão só destruindo a beleza que a natureza deu para elas.

-Eu não entendo essass pessoass. Correm a vida inteira atráss de dinheiro. Se sacrificam, causam várioss problemass, tudo para conseguirr dinheiro. E aí elass vão lá e desstroem ass coisass maiss belass que elass têm. E afinal de contass, tudo foi inútil.
-Inútil?
-Sim. Veja só, eu esstou aqui, apreciando esse momento magnífico contigo, e nóss não esstamoss pagando nada. Para que eu vou correrr atráss de dinheiro, se eu não preciso pagarr para terr o mundo?

Para que eu vou correr atrás de dinheiro, se eu não preciso pagar para ter o mundo? Palavras muito profundas. Senti-me como um aprendiz daquele homem que eu não sabia sequer o nome.

-Errmão, quando eu era criança, meu sonho era ser asstronauta.
-É, nossos sonhos de criança. Meu sonho sempre foi me tornar um médico, ajudar as pessoas.
-Poiss é, errmão. Quando somoss criançass, ainda somoss puross. Mass quando envelhecemoss, ass pessoass tentam noss cegarr. Minha família começou a dizerr que asstronauta era um sonho muito grande. Eu precisaria de essforço demaiss, trabalho demaiss, e não conseguiria tanto dinheiro quanto em outrass profissõess, que era bem melhorr eu me ocuparr com coisass ao meu alcance e que me garantissem um futuro.
-Por que você acha que tentaram te cegar?
-Porr que, veja bem. Se eu fosse asstronauta, porr que me preocuparia com oss riscoss, com o pouco dinheiro, com o essforço excessivo, se eu teria para mim a terra inteira, a lua e ass esstrelass? Para mim vale muito maiss a pena do que terr um esscritório cheio de papéiss. E você? Como doutorr, suponho que você deve terr um pouco de dinheiro. Mass você acha que alguma coisa vale maiss a pena do que o sorriso daquela criança que você curou?
-Realmente, nada vale tanto a pena quanto ver o sorriso no rosto de alguém.
-Poiss é disso que eu falo. O mundo esstá cada vezz com maiss falta de pessoass humildess. Todo mundo esstá se torrnando egoíssta... Onde esstá o amorr entre ass pessoass?

Olhei de volta para o mar. Depois dessa filosofia, o mundo parecia até irreal. Tanta beleza, e tantas pessoas que não dão valor a ela. O homem com quem eu conversava se levantou da pedra. Veio até mim e me deu um abraço, depois falou:

-Errmão, foi um prazerr converrsarr contigo. Mass agora eu tenho que irr, esstá anoitecendo e eu ainda não arrmei minha barraca. Adeuss.

E assim se foi o meu mestre, aquele “bicho grilo” que eu não sabia nem o nome, mas cujas palavras tocaram minha alma. Eu tenho certeza nunca vou me esquecer daqueles momentos e daquela conversa.

Esse texto foi escrito inspirado em L.A.C., e no texto "Sonhos Perdidos" de uma colega.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

domingo, 2 de janeiro de 2011

Quem Controla a Sua Vida?

-Eu sou a pessoa mais influente do nosso grupo. Eu não gasto um décimo do dinheiro que eu uso para produzir meus perfumes. E as pessoas só de verem minha propaganda na TV gastam fortunas para comprar um líquido que muda o cheiro delas. Eu duvido que qualquer um de vocês consiga inventar algo mais inútil que isso, e ainda influenciar o mundo inteiro a usá-lo e se sacrificar para tê-lo.

-Você está errado. Nem todo mundo usa perfume. Eu sim que sou influente. Eu também não gasto um décimo do dinheiro que cobro pelos tênis que produzo. E todas as pessoas gastam uma fortuna para poder carregar o símbolo da minha companhia. Eu sou o único que consigo influenciar essas pessoas escrotas a fazer uma coisa inútil dessas.

-Meu caro, só tenho a te dizer que você que está errado. Tudo bem, tênis são vendidos por um valor bem maior do que eles realmente custam. Mas as pessoas não têm tantos tênis quanto elas têm roupas. É disso que eu me beneficio, bem mais do que vocês. Várias pessoas compram uma infinidade de roupas caras, achando que elas estão ganhando algo com isso. Achando que elas estão tendo um “estilo de vida”. Escrotas.

-Vocês se acham influentes só por que vendem coisas para o mundo, né? Quão ingênuos vocês são. Eu influencio muito mais a vida de algumas pessoas do que vocês três conseguem influenciar juntos. Afinal, com minha rede de casas noturnas, todos acham que é divertido sair à noite, dançar, beber e beijar na boca. De onde tiraram isso? Ah, sim. Fui eu que impus a elas. Eu que realmente defino o que as pessoas consideram “divertido”. Eu que defini o que elas acham “divertido”, e não vocês.

-Você acha que define alguma coisa? Caiam aos meus pés, reles mortais. Vocês acham mesmo que podem ter tão influência quanto eu, dono de uma emissora de TV? As pessoas só acham que se divertem em suas casas noturnas por que eu disse isso para elas. Se elas não vissem minhas novelas, programas de TV, propagandas, elas jamais achariam que beijar, dançar e beber é algo divertido. Família perfeita, felicidade, amor, tudo são conceitos que o mundo só conhece graças a mim. Se não fosse eu e minha emissora, vocês não seriam nada.

-Você se acha muito bom por que influencia os outros né? Mas você não pode nem dizer que tudo isso foi ideia sua. O escritor e diretor aqui sou eu. Eu que inventei tudo o que a sociedade segue. Se não fossem meus filmes, ninguém nem saberia o que é beijar. Ninguém acharia que amor é o mais importante de tudo. Pessoa alguma acharia divertido sair com os amigos. Fui eu quem escreveu primeiro tudo os que as pessoas seguem: família perfeita, felicidade, amor, liberdade... Eu que fui o grande inventor da sociedade, da qual vocês dependem.

-Vocês me fazem rir. Se preocupando tanto com a vida das pessoas. Mal sabem vocês que a vida é algo passageiro. Eu, como dono de uma funerária, posso dizer isso. Vocês podem até ter influenciado as pessoas em vida. Elas podem fazer tudo o que vocês estipularam para elas. Realmente, vivemos num mundo onde todos são muito escrotos. Mas um dia, cada pessoa da terra vai morrer. E aí, já era tudo o que elas fizeram. Não importa se elas se divertiram. Se elas se beijaram na boca. Se elas amaram. Se consideraram-se felizes. Grande merda tudo isso! Todos vão para dentro de um caixão e depois serão esquecidos para sempre. Seus corpos se decomporão e servirão de alimento para vermes, que depois também vão morrer. E todos os seus pensamentos, suas memórias, já eram. Vai acabar tudo. Cada pessoa miserável vai ser enterrada nas trevas, na escuridão, no nada. Não vão mais pensar, nem ver, nem se lembrar das coisas que as faziam viver. Essas pessoas escrotas me fazem rir. Acham que são originais, acham que tem um “estilo de vida”. Mas no final, vão acabar em minhas mãos. E quando isso acontecer, tudo vai ter acabado. Todo o divertimento, todo o amor, toda a família, já era. Eu venci. A morte sempre vence, e a vida acaba nunca fazendo sentido.