Eu estava em uma praia do Rio Janeiro. A areia fina se
espalhava entre meus dedos, enquanto eu andava por entre as rochas da praia. O
Sol estava se pondo atrás das montanhas, mas isso não impediu que o céu sobre o
mar também se tornasse colorido. Vi um vulto sobre uma pedra. Era a sombra de
um homem. Ele estava parado, quase não o percebi. Ele usava um chapéu estranho.
Ele provavelmente era, como nós chamamos, um “bicho grilo”, um hippie meio rastafári.
Aproximei-me dele vagarosamente. Ele não se mexia. Ficava
somente olhando as nuvens, o céu, o mar. De vez em quando uma onda batia na
rocha onde ele se encontrava, molhando suas pernas e jogando várias gotas de
água contra seu rosto. Eu achava que ele não tinha me percebido, mas ele
começou a falar comigo:
-Como é lindo, né, errmão? – Sua fala simples e seu
sotaque forte mostraram que ele era uma pessoa humilde.
-Sim, é lindo... – Eu respondi.
-Esse céu cheio de nuvens coloridass, esse marr
hipnotizadorr, tudo é tão perrfeito... Sinto como se tudo fosse meu.
Passaram-se alguns momentos de silêncio. Aquele lugar era
simplesmente perfeito. Só admirar a paisagem, ouvir os sons das ondas e dos
pássaros, e sentir a brisa batendo em nosso rosto, já era extremamente
tranquilizante. Ele estava certo, aquele lugar era lindo.
-Errmão, esse lugarr ainda é assim. Pena que daqui a
alguns anoss, vai deixarr de existirr.
-Como assim? O que vai acontecer? Uma inundação, uma
ressaca?
-Não, errmão... A natureza não se auto desstrói. É o
homem que desstrói ela. Daqui a alguns anoss, essa praia vai esstar cheia de
farofeiross. Eless vão montarr um monte de barracass pra venderr coisass. E a
areia vai ficarr cheia de sujeira, cocoss parrtidoss, bitucass de cigarro,
latass de cerrveja...
-Você tem razão. A chamada civilização vai acabar
destruindo tudo isso.
-E não esstou falando só de poluição, sujeira. Porr
enquanto, nóss temoss que andarr alguns minutoss numa trilha fechada para
chegarr até aqui. Mass apossto que daqui a alguns anoss, vão abrir uma rua e
essa praia esstará cheia de carross. Vai vir uma multidão de pessoass pra cá
nas fériass. E não vai maiss ter graça para nóss. Vão desstruirr o nosso
lugarzinho.
Fizemos silêncio outra vez. Ele dizia a verdade. Sempre
que alguém acha um lugar bonito, em questão de anos esse lugar se torna habitado
e feio. A parte mais divertida de ir para lá era ter que passar pela trilha,
armar a nossa barraca sob as estrelas. Mas provavelmente iriam construir uma
rua, várias pousadas, colocar energia elétrica, e tudo iria perder a graça. As
pessoas não sabem aproveitar o que o mundo tem a nos oferecer.
-Errmão, e você sabe porr que tudo isso acontece?
-Por quê?
-Porr causa do dinheiro. Ass pessoass se torrnam
cômodass. Acham que podem tudo se tiverem grana. Ou então não se imporrtam de
desstruirr um lugarr como esse para conseguirem dinheiro.
Mais uma vez, concordei com ele. As pessoas que destroem
aquele lugar para construir bares, pousadas, estão sempre atrás de dinheiro. E
as pessoas que se hospedam lá, que poluem as praias com todo seu lixo, são
aquelas que estão cômodas a aniquilar: Acham que tudo é só delas por que estão
pagando, e por isso têm o direito de fazerem o que quiserem. Mas elas estão só
destruindo a beleza que a natureza deu para elas.
-Eu não entendo essass pessoass. Correm a vida inteira
atráss de dinheiro. Se sacrificam, causam várioss problemass, tudo para
conseguirr dinheiro. E aí elass vão lá e desstroem ass coisass maiss belass que
elass têm. E afinal de contass, tudo foi inútil.
-Inútil?
-Sim. Veja só, eu esstou aqui, apreciando esse momento
magnífico contigo, e nóss não esstamoss pagando nada. Para que eu vou correrr
atráss de dinheiro, se eu não preciso pagarr para terr o mundo?
Para que eu vou correr atrás de dinheiro, se eu não
preciso pagar para ter o mundo? Palavras muito profundas. Senti-me como um
aprendiz daquele homem que eu não sabia sequer o nome.
-Errmão, quando eu era criança, meu sonho era ser
asstronauta.
-É, nossos sonhos de criança. Meu sonho sempre foi me
tornar um médico, ajudar as pessoas.
-Poiss é, errmão. Quando somoss criançass, ainda somoss
puross. Mass quando envelhecemoss, ass pessoass tentam noss cegarr. Minha
família começou a dizerr que asstronauta era um sonho muito grande. Eu
precisaria de essforço demaiss, trabalho demaiss, e não conseguiria tanto
dinheiro quanto em outrass profissõess, que era bem melhorr eu me ocuparr com
coisass ao meu alcance e que me garantissem um futuro.
-Por que você acha que tentaram te cegar?
-Porr que, veja bem. Se eu fosse asstronauta, porr que me
preocuparia com oss riscoss, com o pouco dinheiro, com o essforço excessivo, se
eu teria para mim a terra inteira, a lua e ass esstrelass? Para mim vale muito
maiss a pena do que terr um esscritório cheio de papéiss. E você? Como doutorr,
suponho que você deve terr um pouco de dinheiro. Mass você acha que alguma
coisa vale maiss a pena do que o sorriso daquela criança que você curou?
-Realmente, nada vale tanto a pena quanto ver o sorriso
no rosto de alguém.
-Poiss é disso que eu falo. O mundo esstá cada vezz com
maiss falta de pessoass humildess. Todo mundo esstá se torrnando egoíssta...
Onde esstá o amorr entre ass pessoass?
Olhei de volta para o mar. Depois dessa filosofia, o
mundo parecia até irreal. Tanta beleza, e tantas pessoas que não dão valor a
ela. O homem com quem eu conversava se levantou da pedra. Veio até mim e me deu
um abraço, depois falou:
-Errmão, foi um prazerr converrsarr contigo. Mass agora
eu tenho que irr, esstá anoitecendo e eu ainda não arrmei minha barraca.
Adeuss.
E assim se foi o meu mestre, aquele “bicho grilo” que eu
não sabia nem o nome, mas cujas palavras tocaram minha alma. Eu tenho certeza
nunca vou me esquecer daqueles momentos e daquela conversa.
Esse texto foi escrito inspirado em L.A.C., e no texto "Sonhos Perdidos" de uma colega.