sábado, 5 de março de 2011

A Minha Droga



Eu grito “Porra!”. Ou melhor, eu não grito, eu só penso em gritar, por que nos últimos meses eu tenho me tornado cada vez menos expressiva. Eu penso rápido, mas meu corpo demora a obedecer aos meus pensamentos. E às vezes ele nem obedece, minhas atitudes ficam só na minha mente.

Como agora. Perdi o trem por muito pouco. “Porra!” Agora vou ter que esperar 15 minutos para pegar o próximo. E o pior de tudo não é porque eu vou ter que esperar. Mas sim porque a frustração de eu ter perdido o trem me fez pensar em usar droga de novo. A cada mês que passa, eu tenho tido mais vontade de usar, cada vez em situações mais comuns. Meu cérebro está sendo intoxicado, não consigo me livrar desses pensamentos.

Isso é terrível. Eu me tornei uma pessoa diferente depois que eu fiquei dependente. Perdi meus amigos. Eles têm me achado estranha demais. Eu nunca estou sintonizada com nada, porque não gosto mais das mesmas coisas que eles. Não vejo mais graça em assistir um filme, comer um lanche ou ficar fazendo piadas. A única coisa que eu consigo me interessar é pela a droga. Outros assuntos não prendem minha atenção e eu começo a viajar dentro da minha própria mente, pensando na droga.  Eu não me relaciono com eles nem eles comigo.

Eu destruí meu relacionamento com a minha família. Como sempre se é de esperar, eles odeiam que eu use droga. Mas ao invés de tentar me ajudar, eles só me ameaçam. Falam que se eu continuar fazendo as coisas que eu faço, eles vão me foder. Eles não procuram ajuda para mim. Só ficam me ameaçando e falando coisas que não me interessam. E depois que eu fiquei dependente, prestar atenção nas coisas tem sido difícil para mim. O clima dentro da minha casa tem sido só de brigas.

Eu tenho um namorado. Algumas vezes, quando estamos juntos, eu me sinto satisfeita e livre. Isso é ótimo. Mas não dura para sempre. Minha vontade de usar acaba voltando. No início, eu tento resistir. Mas quanto mais eu resisto, pior eu me sinto. Vou ficando triste, muito triste, como se nada na minha vida tivesse sentido. Todos os erros que eu cometi e todos os meus problemas voltam à tona em minha cabeça e parecem insolúveis. Parece que minha vida nunca vai ser normal e que a única coisa que eu posso fazer para me sentir bem é usar a droga. Meu corpo inteiro começa a se retorcer para que eu use de novo. Começo a perder a noção do tempo, tudo o que eu vivi parece não ter sido nada, e cada segundo que estou vivendo parece demorar um milênio, enquanto eu não uso a droga. Minha vida então não tem mais valor algum. Eu não quero mais ter saúde, eu não quero mais ter amigos, eu não quero mais a minha família. Eu só quero a minha droga. Eu só quero a minha droga. Se eu não a consigo, eu começo a desejar a morte. Porque morrer é melhor do que viver sem razão. A única razão para eu viver é poder usar a droga de novo. Se eu não pudesse usar a droga de novo, eu me mataria.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Saúde



Nós vamos viajar juntos, nós vamos ver o mundo, deitar e sonhar felizes, sentir o cheiro da garoa e da areia e das plantações. Perceber só na tarde do dia seguinte todo o tempo que ficamos um com o outro, depois de uma noite de luzes apagadas, traçando nossos planos para o futuro, conversando, tocando, agarrando, sentindo. Não sei mais se minha lucidez está indo embora, por outro lado, a mais crua e dura realidade. Não creio que plumas estejam saindo em seus ombros, você não é real, a realidade me engana. Minhas vísceras ‘tão saltando pra fora de mim. Eu tento não acreditar em demônios, mas esses vultos crescem cada vez mais, cada vez mais entre as pessoas próximas, que pulam e festejam a minha volta sem que eu possa ouvir uma única voz. Muito longe, todos longe demais. Como pôde a sua luz virar sombra? Tornar seus caminhos em labirintos? O seu lugar, num espaço vazio, oco, como um câncer me devorando?

Nós vamos ver as nuvens, nós vamos ver estrelas, deitar e sonhar juntos, sentir o cheiro do café e do tabaco e da erva. Perceber só na tarde do dia seguinte o círculo marrom carimbado no papel, depois de uma noite de luzes acesas, traçando trilhas no meio da bagunça, compartilhando, conversando, viajando. Preciso de uma fuga dessa sala escura. Se a luz não me mostrar um caminho a seguir, que a fumaça me cegue de ver esse vão. Se esse vazio não sumir de mim, vou morrer. Mesmo se não me matarem, eu vou morrer.