Eis que Frans nasceu sem chorar. Ele foi um bebê que não
sorria, nem chorava. Ele olhava o mundo a cada dia como se tivesse acabado de
nascer. Ele era praticamente mudo, raramente chorava ou gargalhava. Ele demorou
um ano para dizer a primeira palavra e quase dezoito meses para aprender a
andar. Ele tinha medo do que era novo. Gostava de aprender, mas não se sentia
bem fazendo aquilo que nunca tinha feito antes.
Ele nunca aprendeu a andar de bicicleta. Ele andava por aí a
pé, sem ciência de onde ia, sem saber aonde seus pés o levavam. Ele observava o
mundo como um telespectador de televisão, não ousava participar dele. Ele
assistia às pessoas brincando no parque, nadando na piscina, rindo, se
socializando, mas não tinha coragem de ter uma atitude e contemplar com a pele
aquilo que contemplava com os olhos. Ele sempre estava vagando, sem rumo, só
observando, sem participar de nada.
Ele não apreciava música. A melhor música, para ele, era o
som dos carros, as vozes das pessoas, as buzinas, os sinos da igreja, os
pássaros cantando, o martelar de uma construção, e principalmente o vento, que
vaga pelo céu, que já passou por todas as partes do mundo, já levou muita
poeira de um lugar para o outro, mas que ninguém dá a mínima importância.
Frans gostava de pinturas. Ele via a vida como vinda da
tinta, e não do pó. Ele via dentro dos quadros toda a loucura e o sofrimento
vivido pelos indivíduos que dizem às telas “que haja luz”. Ele via Os Corvos de
Van Gogh batendo asas sobre os campos, todos vindo em sua direção, para
buscá-lo. Ele via todo o movimento dos corpos ilustrados por da Vinci, como se
todas as pessoas retratadas por ele escondessem de quem as observasse, algum
segredo. Ele sentia toda a conformidade de Adão por não estar em contato com
Deus, em todo o niilismo expresso por Michelangelo.
Ele começou seu apreço por literatura assistindo a filmes.
Mas no fundo, ele não gostava: não os achava profundos o suficiente. Então lhe
voltou à mente que a vida era vinda da tinta. Nisso começou seu deleite pela
literatura impressa. Deliciava-se com os livros, como se eles lhe trouxessem a
vida que ele não tinha. Cada letra, cada palavra, cada ponto no texto, era um
suspiro, um olhar, um passo dentro do mundo próprio que ele criava em sua
mente. E isso lhe era suficiente, uma troca de situações. No mundo real ele se
preenchia com as histórias dos livros, e em suas emoções ele vagava por aqui e
por ali sem sentido.
Ele nunca chegou a ter um amor. Ele não falava com as
pessoas que lhe chamavam atenção. Ele tinha medo de que, ao ficar frente a
frente com alguém que ele gostasse, as palavras enroscassem em sua garganta e
nada saísse de sua boca. Ou então, se ele conseguisse falar com a pessoa e essa
pessoa gostasse dele, ele temia por parar de gostar dela. Tudo que ele não
tinha certeza em sua vida, ele descartava. E, como na vida nada é certo, ele
não fazia nada, além de ficar vagando pela terra, observando as pessoas, seu
comportamento e as coisas que elas inventam.
Eis que, em um gélido inverno, Frans pegou uma gripe, que
evoluiu para uma pneumonia, e ele acabou sendo internado em um hospital. Na
vida, nada é certo além da morte. Como ele não tinha família, foi enterrado
como indigente.