quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Baixa Geral



Você viu aquela mulher? Aquela mulher pálida, deitada na mesa, indefesa? Com seus olhos fechados, boca calada, pele gelada? Você viu? O defunto em seu descanso eterno? Em seu descanso em paz? Decomposto, pútrido, putrefeito, apodrecido? Fedendo a carniça? Você viu aquela mulher, não viu? Pele acinzentada, incolor, inerte? A expressão inerte? Aquela mulher que foi trazida de ambulância, ensanguentada? Aquela mulher que foi trazida com a boca escancarada? Que foi trazida incinerada? De dentro daquela casa incendiada? Você viu, não viu?

Você viu aquela mulher? Aquela mulher petrificada, engolida pela fragilidade da existência? Com as manchas vermelhas vazando por seus braços? Com a cabeça achatada pela roda do trem? Pela força da altura do chão duro? Pela força do projétil metálico disparado em alta velocidade? Você viu? Viu aquela mulher com as marcas no pescoço? Marcas de mãos ciumentas? As mãos daquele amante frustrado? Perdido na vida, no álcool, nas drogas? Procurando um refúgio sanguinolento para seus sentimentos impiedosos? Você viu, não viu?

Aquela mulher que estava em ossos? Ossos encontrados por amantes, por acaso? Enquanto procuravam uma trilha vazia para foder? Aquela mulher estudada pelos médicos, não viu? De órgãos externos, órgãos expostos, expostos a estudo? Pelos legistas? Pelos estudantes de medicina? Postos em fila ao redor do corpo? Apreciando-o como uma obra de arte? Você viu essa mulher? Pintada nos livros de anatomia? Divulgada naqueles jornais violentos? Impressos a tinta vermelha? Vermelha da cor do sangue? Você viu, não viu?