Você viu aquela mulher? Aquela mulher pálida, deitada na
mesa, indefesa? Com seus olhos fechados, boca calada, pele gelada? Você viu? O
defunto em seu descanso eterno? Em seu descanso em paz? Decomposto, pútrido,
putrefeito, apodrecido? Fedendo a carniça? Você viu aquela mulher, não viu?
Pele acinzentada, incolor, inerte? A expressão inerte? Aquela mulher que foi
trazida de ambulância, ensanguentada? Aquela mulher que foi trazida com a boca
escancarada? Que foi trazida incinerada? De dentro daquela casa incendiada? Você
viu, não viu?
Você viu aquela mulher? Aquela mulher petrificada, engolida
pela fragilidade da existência? Com as manchas vermelhas vazando por seus
braços? Com a cabeça achatada pela roda do trem? Pela força da altura do chão
duro? Pela força do projétil metálico disparado em alta velocidade? Você viu?
Viu aquela mulher com as marcas no pescoço? Marcas de mãos ciumentas? As mãos
daquele amante frustrado? Perdido na vida, no álcool, nas drogas? Procurando um
refúgio sanguinolento para seus sentimentos impiedosos? Você viu, não viu?
Aquela mulher que estava em ossos? Ossos encontrados por
amantes, por acaso? Enquanto procuravam uma trilha vazia para foder? Aquela
mulher estudada pelos médicos, não viu? De órgãos externos, órgãos expostos,
expostos a estudo? Pelos legistas? Pelos estudantes de medicina? Postos em fila
ao redor do corpo? Apreciando-o como uma obra de arte? Você viu essa mulher?
Pintada nos livros de anatomia? Divulgada naqueles jornais violentos? Impressos
a tinta vermelha? Vermelha da cor do sangue? Você viu, não viu?