sábado, 20 de dezembro de 2014

Regresso



Olho, fixo, não sei para onde. Minha cabeça, ocupada por pensamentos vagos, que mal se pensam e já se esquecem. Pinga uma chuva cinza. Chove! Eu fujo de mim mesmo. Não quero me encontrar. Só vejo. As árvores, os postes, as casas. As crianças, com a bola, na rua. Eu poderia chegar mais rápido, mas não há motivo. Afinal, que motivos há na vida? Na existência? No tudo? Nada. É tudo luta, é tudo luto. Hoje cedo, meu irmão não me fez uma videochamada. Não me falou do acampamento, dos planos, da guerra. Eu devia suspeitar. Eu suspeitei. Mas não queria esperar o pior. Tive medo, e torci pelo esquecimento, pela falta de tempo, pelo celular sem bateria, como torcemos toda vez que não recebemos notícias. Mas sempre há aquela angústia, que tinge nossas almas de um amargo desespero, que não passa até não sabermos o que de fato aconteceu. Sai de casa em silêncio. Foi um dia silencioso. Um dia inteiro olhando para o celular. Mas não foi do celular que veio a notícia. Seu nome estava escrito na televisão, logo após uma notícia de um ataque surpresa que sofrêramos, em uma lista de vítimas.
Agora, volto pra casa. Minha mãe já deve estar sabendo. Contudo, a tela do meu Smartphone continua vazia. Tudo muito silencioso. O que direi? Como estará ela? Somos só nós dois. Como será agora? E depois? E o resto? Ainda chove, vou a pé, parece que não chego nunca. Quero chegar logo, mas a cada passo pensando na minha mãe parece que o tempo passa mais devagar: Será que ela já sabe? Qual será a reação dela? O que eu vou dizer? Essa está sendo a mais longa volta para casa que eu já fiz na vida.
Abro a porta, tudo estático. Deixo de lado meu guarda-chuva, minha bota, meu silêncio. A passos pesados vou à cozinha, ela de costas para mim, apoiando-se na pia. A pia, limpa. Vazia. Quis dizer, mas minha garganta estava seca. Suspiro, alto, e ela se vira, com uma lágrima e aquele olhar eterno. Olho para o nada, penso em nada, me sinto um nada. Me aproximo, nos olhamos. Lágrimas, um abraço.