segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Simbolismo Negro


 Você sente o sangue fervendo em suas veias. Sua visão embaça, e você fica sem saber o que fazer. Sente o sangue bombeando dentro da sua cabeça. Sua respiração fica ofegante. Você aperta tanto os seus pulsos que eles chegam a doer. Se visse seu rosto no espelho, provavelmente ele estaria vermelho.

 Alguma coisa acontece dentro da sua cabeça. Você fica sem paz. Você fica revoltado. Você fica furioso. Sente como se houvesse um parasita dentro do seu cérebro, fritando e depois comendo seus neurônios. E ele comanda todos os seus atos.

 Quando você volta a si mesmo e olha para trás, vê um rastro de destruição. Acabou com tudo o que havia sido construído. Quando você retoma seu autocontrole, vê assolados todos os seus objetivos, seus sentimentos, seu relacionamentos.

 Você destrói a si mesmo. Como um arranha-céu sendo construído por tentáculos escuros de crueldade. Bloco sobre bloco, eles vão se erguendo e ficando mais altos. Mas ao mesmo tempo, para se movimentarem dentro do prédio, eles acabam destruindo andares inferiores. Porém eles não param de subir. Só vão se equilibrando para não irem ao chão. Construindo para chegar a lugar nenhum. Destruindo para se manter vivo. Assim como você faz com sua vida.

 Às vezes, uma gota de água fresca penetra no seu cérebro, afastando o verme por alguns segundos. Você vê que o que tem acontecido não é bom. Deveria ser diferente. Você gostaria que fosse diferente. Você até se disporia a fazer tudo diferente, começando do zero. Mas logo o parasita retorna e frita os seus neurônios. Você sente seu sangue quente em suas veias novamente. Você volta a enxergar embaçado. Fica furioso e retoma sua auto-constru-destruição.

 Como se houvesse um monstro dentro de você. Construindo coisas e depois as destruindo por diversão. Todos os seus relacionamentos, sentimentos e objetivos partidos em milhares de pedaços. Você se importaria, se tivesse tempo. Mas o monstro te impede de pensar. Não te deixa sentir culpa. Ele só quer continuar destruindo. E você não está mais nem aí com sua própria vida, enquanto o monstro comanda ela. E você não consegue se livrar desse monstro, por que não é você que toma conta dele. É ele que toma conta de você.

 Você pode achar que os tentáculos de crueldade destroem o seu prédio, por isso são ruins. Mas na verdade, o objetivo deles é só construir. Eles só tentam te proteger, te trazer progresso. É que o meio que eles encontram para fazer isso é destrutivo. Eles aumentam sua altura, mas para isso destroem sua fundação. Acabam destruindo o que construíram. Mas o objetivo deles era só proteger o seu prédio.

 O parasita entrou na sua vida naquele dia em que o cão te mordeu. Na hora você não percebeu, mas os vermes dos dentes do cachorro penetraram em seu sangue. Por isso que você sente suas veias quentes. Depois ele acabou indo para o seu cérebro para fritar e comer os seus neurônios. Aí os tentáculos de crueldade mudaram totalmente o seu prédio, construindo o topo e destruindo a fundação. E o que você pode fazer? Nada. O monstro que te controla, não é você que controla ele.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Uma pedra sobre mim

 Meu trabalho de literatura sobre vanguardas.

Uma pedra sobre mim

chuva
o céu carregado
de nuvens escuras
como sempre
o dia cinzento
todos de preto
lágrimas nas faces
tudo isso por mim

por que eu achei
 o que procurava

uma boca retorcida em agonia
um desesperado de joelhos no chão
olhos cerrados repletos de lágrimas
tudo isso por mim

por que eu achei
o que procurava

estático
pálido
gélido
uma pedra sobre mim
escrito descanse em paz

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Amoras Secas

Planos de quando eu era jovem. Queria estudar, fazer direito em uma faculdade boa e me tornar um bom advogado. Queria casar com uma mulher loira, dos olhos azuis, que seria uma ótima parceira sexual, e nós teríamos dois lindos filhos, que também se formariam e me dariam lindos netos.

Eu sempre quis isso da minha vida. E sempre me esforcei ao máximo para alcançar os meus sonhos. Quando ainda estava no colégio, dando duro para conseguir passar em um bom vestibular, encontrei ela. Meu time de futebol acabara de vencer um jogo, e eu estava comendo amoras das amoreiras que tinham em volta do campo. Estava com a mão direita entre as folhas da árvore, procurando pegar somente as frutas mais pretas, quando senti dedos macios sobre os meus.

Espantado, olhei para o lado, e me deparei com a moça mais bonita que eu já tinha visto na minha vida. Ela era como em meus sonhos, cabelo loiro, pele branca, lisa, olhos azuis. Suas unhas eram grandes e pintadas com esmalte vermelho. Ela usava um vestido branco que deixava os joelhos amostra. Nunca a tinha visto antes, provavelmente era nova no colégio. Percebi que sua respiração foi acelerando enquanto olhávamo-nos nos olhos. Seus dedos macios e quentes ainda estavam sobre os meus.

Mais do que depressa, comecei a conversar com ela, perguntando em que ano estava, onde morava, o que gostava de fazer, e o seu nome. Ela se chamava Anna. Um nome simples, belo e humilde. Passamos horas conversando, até o sol começar a se pôr e ela precisar ir embora. Só então reparei que em minha mão havia amoras secas. As que nós pegamos juntos na árvore. Poderiam ser verdes, rosas, vermelhas, pretas. Mas eram duas amoras secas, marrons, perfeitas para serem guardadas como o dia do nosso encontro.

Um ano depois, eu estava na faculdade. Não consegui entrar nas que eu pretendia. Não era nenhuma federal, nem disputada. Mas meus pais estavam pagando uma faculdade de direito para mim. Meu relacionamento com Anna pode não ter sido perfeito durante todo o nosso namoro, mas superamos nossas brigas. No meu último ano de faculdade, ela engravidou. Talvez o choque tenha me atrapalhado um pouco nos estudos, mas consegui me formar. E poucos dias depois da festa de formatura, foi a nossa festa de casamento.

Foi um momento feliz. Eu a amava mais do que tudo no mundo. E ela também me amava. Nosso primeiro filho se chamou Felipe. Os primeiros anos de nosso casamento foram difíceis. Brigas frequentes, um filho para criar, alimentar, eu não conseguia me firmar em nenhum escritório, meus salários eram baixos, isso quando ele existia, sem falar dos ciúmes de recém-casados.

Depois de um tempo, consegui um emprego fixo. Não era um escritório de primeira classe, mas o meu salário era alto o suficiente para não deixar nossos filhos passarem necessidades. Filhos, por que dois anos depois de ter o Felipe, tivemos gêmeos, Guilherme e Gustavo.

Um dia, voltei para casa mais cedo. Tive um árduo dia de trabalho, o meu carro quebrou e tive que pegar um ônibus. Sorte que meu chefe tinha me liberado mais cedo, por que era o aniversário de onze anos do casamento meu e de Anna. Nossos filhos tinham ido a um acampamento do colégio. Eu esperava que tivéssemos um bom jantar juntos, não precisava nem de velas. Só me importava passar um tempo com ela. Mas ela não estava nem na cozinha quando cheguei. Estava no quarto, transando com outro homem. O cara saiu correndo e se vestindo pela mesma porta que eu saí, cinco minutos depois dele. Fiquei uma semana fora de casa, preparando os papéis para o divórcio. Mas no final, perdoei-a e voltei a morar com ela.

Tivemos outra crise em nosso casamento quando eu quis fazer um teste de DNA em nossos filhos. Ela alegava que eu não confiava nela. E estava certa. Voltamos a morar juntos, mas nosso relacionamento nunca mais foi o mesmo. E eu tinha razão em fazer o teste. Felipe, o nosso filho mais velho, e motivo do nosso casamento, não era meu de verdade. Mas, ao menos, eu ainda tinha certeza dos gêmeos, e alguns meses depois o nosso casamento voltou quase ao normal.

Guilherme e Gustavo eram as únicas coisas que me faziam suportar o desgosto que eu tinha com o meu casamento. Até que eles também se tornaram um desgosto. Quando eles tinham dezessete anos, encontrei Guilherme beijando outro garoto dentro de casa. Meu alívio foi que pelo menos o Gustavo era heterossexual e daria continuidade à minha descendência. Isso se, as minhas brigas freqüentes com Anna e o comportamento de Guilherme não o tivessem dado depressão e o feito cometer suicídio aos dezenove anos, antes de ter um filho.

Hoje, sou divorciado. Não sei do paradeiro de Anna nem de Felipe. O enterro de Gustavo já foi há sete anos e Guilherme está morando com um rapaz. Não tenho nada de valor a não ser uma casa caindo aos pedaços e um carro velho. E um par de amoras secas, que guardei como lembrança de um momento feliz. Amoras secas. Eu e Anna já tínhamos sido jovens, cheios de sonhos e paixões. Mas agora estamos velhos e amargos. Como amoras secas.