sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Uma História Real



Caminhando por esta rua de fogo, e meu lar está reduzido a cinzas.

Eu estava entediado. Nada a fazer. A casa limpa, a mesa posta... Nenhuma tarefa restante. Cada coisa em seu lugar.

O que eu fazia? Não me lembro. Não quero me lembrar. Estou com uma nuvem, densa cerração, ao redor de minha cabeça. Só quero sanar esse tédio, ocupar minha mente.

Eu estava entediado. Nada a fazer. Resolvi sarar meu aborrecimento com o abençoado remédio thorazinternet.

Entrei no Facebook, Whatsapp, Messenger, naquele blog habitual, naquele fórum habitual. Pesquisei no google algo que andava perturbando minha mente. Perturbando minha mente.

Mensagem aqui, mensagem lá. Atualizações. Imagens nada originais. Aquela mesma imagem, vista pela milésima vez. Notícias. O time venceu, o homem suicidou, o bandido foi preso.

Enviaram-me um link. Um link estranho, que levava a um blog estranho. Cores estranhas, formatos estranhos. Textos estranhos.

A primeira frase, de um daqueles textos. Caminhando por esta rua de fogo, e a casa está reduzida a cinzas.

E então, eu me lembrei. Lembrei-me do que fazia, de como era a minha vida. A nuvem foi embora, e nada faz sentido. Nada está em seu lugar.

Tudo está ao contrário. De ponta cabeça. De frente para trás, do avesso. Bagunçado, desordenado, confuso. Uma baderna, uma folia, uma arruaça.

O que é tudo isso? O que essas coisas fazem... Em minha vida? Não, não. Nada está certo. Tudo está muito estranho... E ao mesmo tempo familiar, íntimo... Costumeiro.

Sim, sim. Tem algo de errado. Mas não são coisas. Não está na minha vida. O que está errado é a minha vida. A minha vida, em si.

É. A minha vida é estranha. Ou deveria dizer... Existência? Porque tudo isso, todas essas coisas, você sabe... Não podem ser chamadas de vida.

A minha existência é estranha. Muito estranha. Eu não deveria estar aqui. O que eu fazia antes da nuvem aparecer e eu ficar entediado... Você sabe.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Baixa Geral



Você viu aquela mulher? Aquela mulher pálida, deitada na mesa, indefesa? Com seus olhos fechados, boca calada, pele gelada? Você viu? O defunto em seu descanso eterno? Em seu descanso em paz? Decomposto, pútrido, putrefeito, apodrecido? Fedendo a carniça? Você viu aquela mulher, não viu? Pele acinzentada, incolor, inerte? A expressão inerte? Aquela mulher que foi trazida de ambulância, ensanguentada? Aquela mulher que foi trazida com a boca escancarada? Que foi trazida incinerada? De dentro daquela casa incendiada? Você viu, não viu?

Você viu aquela mulher? Aquela mulher petrificada, engolida pela fragilidade da existência? Com as manchas vermelhas vazando por seus braços? Com a cabeça achatada pela roda do trem? Pela força da altura do chão duro? Pela força do projétil metálico disparado em alta velocidade? Você viu? Viu aquela mulher com as marcas no pescoço? Marcas de mãos ciumentas? As mãos daquele amante frustrado? Perdido na vida, no álcool, nas drogas? Procurando um refúgio sanguinolento para seus sentimentos impiedosos? Você viu, não viu?

Aquela mulher que estava em ossos? Ossos encontrados por amantes, por acaso? Enquanto procuravam uma trilha vazia para foder? Aquela mulher estudada pelos médicos, não viu? De órgãos externos, órgãos expostos, expostos a estudo? Pelos legistas? Pelos estudantes de medicina? Postos em fila ao redor do corpo? Apreciando-o como uma obra de arte? Você viu essa mulher? Pintada nos livros de anatomia? Divulgada naqueles jornais violentos? Impressos a tinta vermelha? Vermelha da cor do sangue? Você viu, não viu?



sábado, 6 de julho de 2013

Extremo



 
Falta de ar. Desespero. Tento respirar fundo. Tento gritar. Abro a boca, mas não sinto a pressão vinda de dentro. Olho em volta. Madeira. Um espaço terrivelmente pequeno. Começo a ficar sonolento. A guilhotina. Eu fui condenado, não era um pesadelo. Não estou dormindo. Dizem que só vou ficar consciente por mais alguns segundos. Tento respirar fundo outra vez, mas meu corpo não reage. Não estou mais com ele. O desespero se torna calmaria. Mais alguns segundos e não estarei mais pensando, nem vendo nada, nem sentindo a poça do meu próprio sangue grudando minha cabeça ao fundo desta bacia de madeira. Minha visão começa a escurecer. Tento aproveitar os últimos momentos em que consigo ver, sentir, pensar. Enquanto ainda estou vivo. Tudo está ficando escuro... E calmo...

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Prego Torto


 Martelada depois de martelada, eu repetia, incessantemente, pregando madeira a madeira. Estava muito calor, a casa era abafada, a cidade quente, e eu sentia as gotas de suor escorrendo pelas minhas costas. Estava martelando um estrado para a minha nova cama. Tanto a estrutura de madeira quanto as ripas que eu martelava, eu havia conseguido no lixão, de manhã. Afinal de contas, aquele era meu dia de folga, mas mesmo assim eu acordei logo cedo. Tive que conseguir uma cama para passar a noite na casa onde estava. Tinha alugado o imóvel por uma semana, para saber em que estado tudo se encontrava. Eu sabia que lá havia baratas, por isso quis ter pelo menos uma cama para passar as noites. O ambiente também estava fedido, mas disso e das outras coisas eu cuidaria no dia seguinte. Se algum problema não tivesse jeito, eu iria tratar com o proprietário. Eu precisava observar a real condição da casa, pois os donos pediram trinta e cinco mil reais para vendê-la, e meu dinheiro era curto, eu precisava verificar se realmente o custo valia a pena antes de fazer um financiamento no banco. Por isso aluguei a casa por uma semana, para ver como ela estava antes de comprá-la e me mudar. Afinal de contas, eu me interessei por aquela casa pela sua localização: Bem em frente ao cemitério. E também ouvi boatos de que alguém havia morrido lá dentro. Acho que por esses dois fatores o valor do imóvel estaria bem acessível. Mas não custa nada verificar se não havia encanamentos quebrados ou instalações elétricas mal feitas, quem sabe eu poderia reduzir ainda mais o custo. Eu sei que comprar um imóvel próprio ainda estava fora da minha capacidade, meu salário no novo emprego ainda era baixíssimo. Mas em longo prazo, eu economizaria muito mais comprando aquela casa do que morando no hotel. Quando eu me mudei para aquela cidade, não havia nenhum imóvel disponível. Nos primeiros dias, hospedei-me em um hotel precário no centro da cidade. Não havia roupa de cama, o banheiro era imundo, a água do chuveiro, fria. Mais tarde negociei para pagar um valor mais baixo, em troca, eu mesmo arrumaria o meu quarto, não precisaria das camareiras. Afinal de contas, eu mal passava a noite lá dentro, não havia sequer motivo para arrumarem nada. E também naquela cidade no fim do mundo, não havia turismo, praticamente. Eu sozinho durante um mês já seria uma fonte de lucros imensa para o hotelzinho. Por outro lado, se eles cobrassem muito caro na diária, eu não iria conseguir pagar com o meu salário de coveiro. Falando nisso, eu trabalhava no cemitério, por isso que procurei uma casa que ficasse de frente para ele. O salário era relativamente alto para quem só precisava ficar colocando caixões dentro do jazigo e depois cimentando, ou tirando os ossos antigos e colocando dentro de um saco no ossuário. Sem falar que a maior parte do tempo eu não fazia nada além de assistir televisão com o porteiro. Agora, com uma casa do lado do local de trabalho, eu poderia ir fazer uma limonada para eu e o Tonho tomarmos enquanto assistíamos Sessão da Tarde. Ele gostava de Domingão do Faustão, mas eu não podia assistir, domingo era um dos dias mais lotados no cemitério. Às vezes, de manhã, também assistíamos os desenhos da Cultura. Descobri que tanto eu como ele gostávamos do sentimento de lembrar da infância. O Tonho uma vez me perguntou por que eu me mudei para aquela cidade de velhos, para trabalhar num cemitério e ficar longe dos amigos, dos bailes, das garotas da capital. Eu respondi que nada disso realmente me interessava. Os amigos? Irritantes, não eram amigos de verdade. As baladas? Irritantes, não eram divertidas de verdade. As garotas? Irritantes, não eram mulheres de verdade, somente garotas. Preferia uma vida tranquila e solitária no interior, trabalhando como coveiro mesmo. Eu também estava planejando subir na carreira no cemitério, quem sabe me tornar maquiador, depois vendedor de caixões e jazigos, mais tarde seria o gerente. Ou então aproveitaria o imóvel que estava comprando e montaria uma floricultura, do lado do cemitério. Tudo era promissor. Talvez não tão promissor quanto a minha vida antes de mudar para aquela cidade, mas mesmo assim seria melhor para mim. Eu acabei me mudando para lá depois de ver um anúncio na internet, no site da cidade, dizendo que o cemitério e algumas lojas no centro estavam precisando de funcionários. Eu nunca me dei bem com outras pessoas, preferi me tornar coveiro, menos estressante e mais bem pago do que vendedor. Eu precisava sair da minha antiga casa na capital. Eu sei que lá eu tinha um futuro, meus pais me sustentariam por um bom tempo e eu poderia fazer uma faculdade. Mas não havia mais como eu suportar aquela vida. Tudo o que eu fazia, antes devia ser julgado pelos meus genitores. E maioria das vezes, eles só reprovavam minhas atitudes. O clima de reprovação, de julgo, de desgosto com que todos me olhavam só me fazia sentir um peso naquela casa. Não se relacionar bem com os pais é algo até que normal, mas a partir do momento que você tenta fazer tudo ficar bem e a única coisa que consegue são olhares de desprezo e de reprovação, sua única vontade é de sair daquele lugar. Eu não sentia mais aquela casa como sendo um lar. Parecia mais um presídio. Eu mal conseguia me aplicar aos meus estudos, de tão mal que me sentia. Realmente valeu a pena ter me mudado para aquela cidadezinha no meio do nada e longe de tudo. Pelo menos fiquei bem longe da minha família. Vivia com humildade, mas o novo emprego e todas as minhas tarefas de solteiro solitário ocupavam a minha mente, e eu já não me sentia mal. Aos poucos, aquela quente, abafada, seca, minúscula e desabitada cidadezinha do interior se tornava mais um lar para mim do que a capital foi por todos os anos que eu morei lá.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Dois Momentos


Passo na frente de passo. Passo na frente de passo, eu continuo andando, passo na frente de passo. Passo pela grama alta, bem alta, já deve estar com meio metro de altura. O muro está começando a derrubar pedaços do seu concreto no chão, formando uma areia cinza e bem grossa. Do outro lado, as amoreiras amarronzadas, já sem metade das folhas. Parece que tudo está destruído.

Destruído sim, mas não morto. Sofrimento? Eu não conheço isso. Minha vida é tranquila, tranquila até demais. Parece que tudo está parado, inerte... Nunca conquisto nada, só envelheço perdendo os momentos da juventude que poderia ter aproveitado. Estou cansado. Passo na frente de passo, nunca conquisto nada, só consigo me cansar. É isso. Estou cansado dessa vida medíocre. Quando vou deixar tudo para trás?


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Então eu abro mais o registro, deixando a água fria. Sento no chão do banheiro, abraço minhas pernas. Fico escutando somente o som da água caindo. A água que, mais longe da resistência do chuveiro, fica mais fria ainda. Cai na minha cabeça, escorre pelas minhas costas. Deixa-me arrepiado, como se estivesse correndo por dentro de mim, limpando minha alma. Eu sei que a maioria dos outros garotos estaria fazendo outras coisas no banho. Mas eu sempre soube que eu não sou uma pessoa normal.

Às vezes, preciso sair da rotina para esfriar minhas ideias. Geralmente essas fugas envolvem água gelada, pancadas ou coisas quebrando; no entanto em todas elas eu tenho que estar sozinho. Preciso fazer algo para aliviar minha ira, minhas frustrações. Às vezes a vida parece pesada demais, cheia de obrigações necessárias para alcançar objetivos que não são meus, e eu preciso virar tudo de cabeça para baixo e do avesso para sentir que estou fazendo algo além de existir. 

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Me...


O mar é azul, mas não é da cor do mar. É mais escuro, e tem mais visibilidade. E eu posso ver suas estrelas no fundo, brilhando para mim como despedida.

A popa é um lugar deprimente. É aonde vamos para lembrar do que deixamos para trás. Talvez seja por isso que, nas caravelas, a cabine do capitão se localiza nela. No meu caso, olhar para o passado me faz querer aumentar a velocidade, navegar mais rápido. Fugir da terra que me prendia.

O problema é que você pode até não o ver, mas o lugar de onde você fugiu continua lá, existindo. Os habitantes ainda se lembram de você. E a qualquer momento, você pode voltar, só por curiosidade, e acabar se arrependendo.

As caravelas portuguesas possuíam cruzes vermelhas. As minhas não: São totalmente brancas. Mas isso não significa que eu não possua um guia invisível. Minha viagem é guiada pelo sentimento de deixar a angústia e viver em branco, mesmo que seja só por alguns momentos. Afastar-me um pouco do mundo.

Me…

Há algo que eu odeio na terra. A forma como as coisas se repetem. Você tem uma montanha aqui, e logo na frente tem outra montanha, e depois outra. Uma praia aqui, depois uns rochedos. Além deles, outra praia e outros rochedos. Tudo é muito repetitivo e deprimente.

Certo, no mar a gente só tem ondas e estrelas, que também são repetitivas, bem mais do que qualquer coisa na terra. Mas eu me sinto livre quando estou navegando. É uma repetição que não me faz doer.

Na terra, tudo é doloroso. E ir para o mar só vai tornar a terra mais dolorosa ainda quando eu voltar. Mas eu não consigo resistir, estou preso a essa sensação de liberdade. Eu tenho que fugir da terra. Tenho que ir para o mar. É onde tudo faz sentido mesmo sem fazer sentido algum.

me acorda ?