terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Prego Torto


 Martelada depois de martelada, eu repetia, incessantemente, pregando madeira a madeira. Estava muito calor, a casa era abafada, a cidade quente, e eu sentia as gotas de suor escorrendo pelas minhas costas. Estava martelando um estrado para a minha nova cama. Tanto a estrutura de madeira quanto as ripas que eu martelava, eu havia conseguido no lixão, de manhã. Afinal de contas, aquele era meu dia de folga, mas mesmo assim eu acordei logo cedo. Tive que conseguir uma cama para passar a noite na casa onde estava. Tinha alugado o imóvel por uma semana, para saber em que estado tudo se encontrava. Eu sabia que lá havia baratas, por isso quis ter pelo menos uma cama para passar as noites. O ambiente também estava fedido, mas disso e das outras coisas eu cuidaria no dia seguinte. Se algum problema não tivesse jeito, eu iria tratar com o proprietário. Eu precisava observar a real condição da casa, pois os donos pediram trinta e cinco mil reais para vendê-la, e meu dinheiro era curto, eu precisava verificar se realmente o custo valia a pena antes de fazer um financiamento no banco. Por isso aluguei a casa por uma semana, para ver como ela estava antes de comprá-la e me mudar. Afinal de contas, eu me interessei por aquela casa pela sua localização: Bem em frente ao cemitério. E também ouvi boatos de que alguém havia morrido lá dentro. Acho que por esses dois fatores o valor do imóvel estaria bem acessível. Mas não custa nada verificar se não havia encanamentos quebrados ou instalações elétricas mal feitas, quem sabe eu poderia reduzir ainda mais o custo. Eu sei que comprar um imóvel próprio ainda estava fora da minha capacidade, meu salário no novo emprego ainda era baixíssimo. Mas em longo prazo, eu economizaria muito mais comprando aquela casa do que morando no hotel. Quando eu me mudei para aquela cidade, não havia nenhum imóvel disponível. Nos primeiros dias, hospedei-me em um hotel precário no centro da cidade. Não havia roupa de cama, o banheiro era imundo, a água do chuveiro, fria. Mais tarde negociei para pagar um valor mais baixo, em troca, eu mesmo arrumaria o meu quarto, não precisaria das camareiras. Afinal de contas, eu mal passava a noite lá dentro, não havia sequer motivo para arrumarem nada. E também naquela cidade no fim do mundo, não havia turismo, praticamente. Eu sozinho durante um mês já seria uma fonte de lucros imensa para o hotelzinho. Por outro lado, se eles cobrassem muito caro na diária, eu não iria conseguir pagar com o meu salário de coveiro. Falando nisso, eu trabalhava no cemitério, por isso que procurei uma casa que ficasse de frente para ele. O salário era relativamente alto para quem só precisava ficar colocando caixões dentro do jazigo e depois cimentando, ou tirando os ossos antigos e colocando dentro de um saco no ossuário. Sem falar que a maior parte do tempo eu não fazia nada além de assistir televisão com o porteiro. Agora, com uma casa do lado do local de trabalho, eu poderia ir fazer uma limonada para eu e o Tonho tomarmos enquanto assistíamos Sessão da Tarde. Ele gostava de Domingão do Faustão, mas eu não podia assistir, domingo era um dos dias mais lotados no cemitério. Às vezes, de manhã, também assistíamos os desenhos da Cultura. Descobri que tanto eu como ele gostávamos do sentimento de lembrar da infância. O Tonho uma vez me perguntou por que eu me mudei para aquela cidade de velhos, para trabalhar num cemitério e ficar longe dos amigos, dos bailes, das garotas da capital. Eu respondi que nada disso realmente me interessava. Os amigos? Irritantes, não eram amigos de verdade. As baladas? Irritantes, não eram divertidas de verdade. As garotas? Irritantes, não eram mulheres de verdade, somente garotas. Preferia uma vida tranquila e solitária no interior, trabalhando como coveiro mesmo. Eu também estava planejando subir na carreira no cemitério, quem sabe me tornar maquiador, depois vendedor de caixões e jazigos, mais tarde seria o gerente. Ou então aproveitaria o imóvel que estava comprando e montaria uma floricultura, do lado do cemitério. Tudo era promissor. Talvez não tão promissor quanto a minha vida antes de mudar para aquela cidade, mas mesmo assim seria melhor para mim. Eu acabei me mudando para lá depois de ver um anúncio na internet, no site da cidade, dizendo que o cemitério e algumas lojas no centro estavam precisando de funcionários. Eu nunca me dei bem com outras pessoas, preferi me tornar coveiro, menos estressante e mais bem pago do que vendedor. Eu precisava sair da minha antiga casa na capital. Eu sei que lá eu tinha um futuro, meus pais me sustentariam por um bom tempo e eu poderia fazer uma faculdade. Mas não havia mais como eu suportar aquela vida. Tudo o que eu fazia, antes devia ser julgado pelos meus genitores. E maioria das vezes, eles só reprovavam minhas atitudes. O clima de reprovação, de julgo, de desgosto com que todos me olhavam só me fazia sentir um peso naquela casa. Não se relacionar bem com os pais é algo até que normal, mas a partir do momento que você tenta fazer tudo ficar bem e a única coisa que consegue são olhares de desprezo e de reprovação, sua única vontade é de sair daquele lugar. Eu não sentia mais aquela casa como sendo um lar. Parecia mais um presídio. Eu mal conseguia me aplicar aos meus estudos, de tão mal que me sentia. Realmente valeu a pena ter me mudado para aquela cidadezinha no meio do nada e longe de tudo. Pelo menos fiquei bem longe da minha família. Vivia com humildade, mas o novo emprego e todas as minhas tarefas de solteiro solitário ocupavam a minha mente, e eu já não me sentia mal. Aos poucos, aquela quente, abafada, seca, minúscula e desabitada cidadezinha do interior se tornava mais um lar para mim do que a capital foi por todos os anos que eu morei lá.

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