quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Niflheim


Sabe, o céu quando está branco? Você não vê o Sol, a lua nem as estrelas. Você não tem nenhum guia além da sua própria confiança. E você procura um tesouro que possa fazer toda a sua vida ter sentido. Em um tropeço você encontra a arca enterrada, bem no meio do seu caminho. Você se esforça, a desenterra, pensa em desistir... Mas ela poderia ser a sua grande mudança para melhor! Ela poderia ter mais valor do que você imagina. Você tem fé que tudo vai melhorar. Mas quando finalmente consegue removê-la de sua cova, vê que com o tempo ela apodreceu e quando você tenta movê-la, ela se desmancha. Ela não foi feita para você levar. Ela não estava lá para te ajudar. Mas você já gastou tanto tempo com ela... Tanto esforço... Mesmo não sendo o que você procurava, ela já tem um valor para você, ela foi uma conquista! Pena que ela vai se desmanchando com o tempo... E os pedaços de madeira podre não são a única coisa que se perde. Os músculos podres que compõem o seu coração também vão sendo gastos. Até a hora que você acha que já sofreu demais.

"Vaidade das vaidades, diz o pregador, é tudo vaidade! Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho que faz debaixo do sol? Uma geração vai, e outra geração vem. Mas a terra para sempre permanece."

Sabe, ninguém gosta de desistir de amar. Ninguém gosta de desistir de ser feliz. Mas às vezes, você se sente ultrapassado. Como se tivesse sido deixado para trás. Como se, desde que nasceu, já estivesse sendo deixado para trás. As pessoas avançam, todos ao seu redor evoluem, menos você. Menos você. Isso acaba contigo. Como um câncer dentro de seus ossos, que te enfraquece e te desprepara para lutar. Parece que você nasceu para fracassar. Para conquistar todas as grandes coisas, para chegar à lua se assim você quiser. Mas para fracassar em tudo o que é pequeno. Para fracassar em seus relacionamentos, para fracassar em sua família, para fracassar em sua saúde, para fracassar em você mesmo.

"Todas as coisas são trabalhosas, o homem não o pode exprimir. Os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos se enchem de ouvir. O que foi, isso é o que há de ser, e o que se fez, isso se fará. De modo que nada há de novo debaixo do sol."

A Bíblia pode ser um conto de fadas antigo, embora às vezes aparente mais como um cajado do que como um livro. Ela pode ser confusa, com várias contradições que muitos não querem ver, mas se tem um livro que me inspira é Eclesiastes. Ou partes dele. É incrível imaginar que Salomão, que viveu há três ou quatro mil anos atrás, já tinha um entendimento filosófico maior do que da maioria das pessoas dos dias atuais.

"Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito. Aquilo que é torto não se pode endireitar, aquilo que falta não se pode calcular. Falei com o meu coração, dizendo: Eis que eu me engrandeci e sobrepujei em sabedoria a todos os que houve antes de mim, e o meu coração contemplou abundantemente a sabedoria e o conhecimento. E apliquei o meu coração a conhecer a sabedoria e a conhecer os desvarios e as loucuras, e vim a saber que também isto era aflição de espírito. Porque na muita sabedoria há muito enfado, e o que aumenta em conhecimento, aumenta em dor."

O tesouro que a arca guardava era somente um pingente que ganhei de alguém. Mas o que o tornava especial era a arca em si, que o guardava e protegia, e sua madeira envelhecida, cheia de marcas de expressão, que contava a sua história.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Refração


Estou observando um horizonte cinzento ao pôr do Sol. O tempo passa ao meu redor, e as pessoas estão retornando aos seus lares. Eu não tenho um lar para voltar. O Sol não pode se pôr para mim.

Estou observando um horizonte cinzento ao pôr do Sol. O tempo passa ao meu redor, mas não passa dentro de mim.

O que você está fazendo? Ele diz. Mas meus olhos turvos não conseguem distingui-lo direito. Eu tenho que retornar à minha tarefa. O que você está fazendo, ein, mano? Ele diz. Eu olho para ele.

Meu coração quebrou. Meu coração quebrou, mano.

E agora, mano? Ele diz. Eu posso te ajudar?

Sim, eu trouxe cola. Olha aqui. Cola sempre conserta tudo, na falta de mães. Eu olho para ele. Confuso? Como pode não entender? Mães consertam tudo. Mas nem todos têm mães, e não se pode arranjar uma em qualquer lugar. Mas eu tenho cola, e ela tem o mesmo efeito.

E agora, mano? Ele diz. Como eu posso te ajudar? Você sabe... Com a cola? Onde eu passo?

Não passe. Só inale.

Estou andando sozinho na calçada. Cercado por prédios deteriorados, que um dia não existiam fora dos projetos de um arquiteto. Pessoas haviam comprado apartamentos antes deles estarem prontos.

Estou andando sozinho na calçada. Cercado por ruínas do que um dia foram sonhos.

Quando seu coração quebrou? Ele diz. Mas minha mente confusa não consegue recordar quem ele é. Eu tenho que retornar aos meus pensamentos. Quando seu coração quebrou, ein, mano? Ele diz. Eu tento lembrar dele.

Ele nunca esteve inteiro. E agora mesmo, ele está em chamas, mano.

E agora, mano? Ele diz. Eu posso apagar?

Não, é uma má ideia. Olha aqui. Mães, lares, todas essas coisas. Eu olho para ele. Confuso? Como pode não entender? Nada disso nunca foi real. Foram só sonhos. E agora restam só ruínas, em chamas. Restam só cinzas. Resta só essa fumaça que me sufoca.

E agora, mano? Ele diz. Como eu posso te ajudar? Você sabe... Apagar esse fogo? Acabar com a fumaça?

Não apague. Só inale.

Estou virando a cabeça para vomitar. Não posso vomitar em mim mesmo. Ficaria sujo, fedido. Mas por que as pessoas não querem ficar sujas e fedidas? Para agradar aos outros? Então eu não preciso virar a cabeça.

Estou virando a cabeça para vomitar. Não posso continuar vivendo em mim mesmo.