Ela levantou da cama com o cabelo bagunçado e pôs as
pantufas de coelhinho. Foi até o banheiro, lavou o rosto, prendeu o cabelo. Foi
até a sala, abriu a porta de entrada, pegou o jornal do tapete. Voltou para
dentro, fechou a porta, pôs o jornal sobre a poltrona. Foi até a cozinha,
preparou um expresso, voltou para a sala. Colocou os óculos, sentou na poltrona
e começou a ler enquanto bebia o café quente.
“Vítima de assassinato é encontrada em beco da cidade”
“Carregamento de drogas é descoberto por policiais à paisana” “Estelionatário é
levado a julgamento” “Dólar atinge menor valor desde o início do ano”
“Prefeitura inicia construção de escola local” “Taxa de desemprego da cidade
vem subindo desde os últimos cinco anos” “Veja os lugares que valem a pena ser
visitados antes do término das férias” “Astrólogos dizem que próximo semestre
será escasso nas finanças, mas rico em romances” “Dicas de receitas para as
frutas da estação”
–Nada interessante.
Ela levantou-se, pôs o jornal sobre a cômoda, deu mais um
gole no café. Pegou o controle remoto, sentou-se novamente, ligou a televisão.
Passou de canal em canal procurando algo que chamasse atenção, mas no fundo
estava desinteressada em qualquer programação. Percebeu que a TV ainda estava
em preto e branco.
–Merda! Quando vão chamar o técnico?!
Desligou. Deu passos até a sacada, rastejante, como se
fosse uma morta-viva. Foi até o cavalete. Havia um quadro com um esboço feito a
carvão. Procurou os pincéis e as tintas, mas lembrou que ele os tinha levado. Olhou
através da rede de proteção. Nuvens cinzentas tomavam conta do céu. Um cheiro
de molhado vinha junto com a brisa que balançava os seus fios de cabelo soltos.
–Como é horrível esperar! Por que você faz isso comigo? Bem
em uma época que eu não tenho nada com o que me ocupar?
Ela sentiu frio. Voltou para o quarto, pôs uma blusinha
sobre a camisola, voltou para a janela. Observou o céu, observou os prédios,
observou o movimento das ruas. Cruzou os braços, descruzou os braços, ficou
batendo com os dedos no parapeito. Apoiou os cotovelos na janela, cuspiu para
ver em que direção estava o vento, endireitou o corpo. Mordeu uma mexa de
cabelo solta, coçou o peito de um pé com o outro, ficou cutucando as unhas para
tirar o esmalte. Voltou para a cozinha, pôs a caneca na pia, olhou o mural.
Entre vários bilhetes, cartões de visita e números de
telefone, havia fotos. Algumas dela, algumas dele, várias dos dois. Ela sorriu.
Passou o dedo numa foto em que se abraçavam, por cima do rosto dele, como se
fizesse carinho. Mordeu os lábios, cruzou as pernas, abraçou a si mesma.
Balançava o corpo de um lado para outro enquanto via as fotos, cheias de
nostalgia, cheia de saudade.
–Deus! Quando você vai chegar? Por que eu não consigo
ficar sem você?
Saudades. Saudades. Saudades.
–Mal consigo esperar a sua volta. Sem você, as coisas são
tão sem graça, iguais, rotineiras, sem cor. Você é quem colore a minha vida.