sexta-feira, 24 de junho de 2011

A Cor do Tempo



Ela levantou da cama com o cabelo bagunçado e pôs as pantufas de coelhinho. Foi até o banheiro, lavou o rosto, prendeu o cabelo. Foi até a sala, abriu a porta de entrada, pegou o jornal do tapete. Voltou para dentro, fechou a porta, pôs o jornal sobre a poltrona. Foi até a cozinha, preparou um expresso, voltou para a sala. Colocou os óculos, sentou na poltrona e começou a ler enquanto bebia o café quente.

“Vítima de assassinato é encontrada em beco da cidade” “Carregamento de drogas é descoberto por policiais à paisana” “Estelionatário é levado a julgamento” “Dólar atinge menor valor desde o início do ano” “Prefeitura inicia construção de escola local” “Taxa de desemprego da cidade vem subindo desde os últimos cinco anos” “Veja os lugares que valem a pena ser visitados antes do término das férias” “Astrólogos dizem que próximo semestre será escasso nas finanças, mas rico em romances” “Dicas de receitas para as frutas da estação”

–Nada interessante.

Ela levantou-se, pôs o jornal sobre a cômoda, deu mais um gole no café. Pegou o controle remoto, sentou-se novamente, ligou a televisão. Passou de canal em canal procurando algo que chamasse atenção, mas no fundo estava desinteressada em qualquer programação. Percebeu que a TV ainda estava em preto e branco.

–Merda! Quando vão chamar o técnico?!

Desligou. Deu passos até a sacada, rastejante, como se fosse uma morta-viva. Foi até o cavalete. Havia um quadro com um esboço feito a carvão. Procurou os pincéis e as tintas, mas lembrou que ele os tinha levado. Olhou através da rede de proteção. Nuvens cinzentas tomavam conta do céu. Um cheiro de molhado vinha junto com a brisa que balançava os seus fios de cabelo soltos.

–Como é horrível esperar! Por que você faz isso comigo? Bem em uma época que eu não tenho nada com o que me ocupar?

Ela sentiu frio. Voltou para o quarto, pôs uma blusinha sobre a camisola, voltou para a janela. Observou o céu, observou os prédios, observou o movimento das ruas. Cruzou os braços, descruzou os braços, ficou batendo com os dedos no parapeito. Apoiou os cotovelos na janela, cuspiu para ver em que direção estava o vento, endireitou o corpo. Mordeu uma mexa de cabelo solta, coçou o peito de um pé com o outro, ficou cutucando as unhas para tirar o esmalte. Voltou para a cozinha, pôs a caneca na pia, olhou o mural.

Entre vários bilhetes, cartões de visita e números de telefone, havia fotos. Algumas dela, algumas dele, várias dos dois. Ela sorriu. Passou o dedo numa foto em que se abraçavam, por cima do rosto dele, como se fizesse carinho. Mordeu os lábios, cruzou as pernas, abraçou a si mesma. Balançava o corpo de um lado para outro enquanto via as fotos, cheias de nostalgia, cheia de saudade.

–Deus! Quando você vai chegar? Por que eu não consigo ficar sem você?

Saudades. Saudades. Saudades.

–Mal consigo esperar a sua volta. Sem você, as coisas são tão sem graça, iguais, rotineiras, sem cor. Você é quem colore a minha vida.

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