quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Trovões


Trovões. Estou ouvindo trovões. Isso não é bom. No verão, isso significa que daqui a pouco vai chover.

Eu tenho que voltar para casa antes que comece a chuva. Mas ainda estou aqui, no posto de saúde, esperando a enfermeira pegar o antiinflamatório que o médico me passou.

Por que antiinflamatório? Por um ato de irresponsabilidade, eu acabei fazendo um machucado na parte alta da perna. Como foi muita irresponsabilidade, eu não quis que meus pais ficassem sabendo, se não eles brigariam comigo. Foi um corte mais ou menos profundo, sangrou muito, mas passou. Isso aconteceu há dois dias. Hoje, quando acordei, estava começando a formar pus. Conversei com uma amiga por MSN, e ela disse que era melhor eu ir num médico.

Eu não pediria para meus pais me levarem. Se eles ficassem sabendo do meu machucado, eles iriam brigar comigo. Resolvi falar para minha mãe que eu iria andar de bicicleta. Mas na verdade eu fui ao posto de saúde.

Foi complicado dar uma desculpa para o médico. O lugar era meio incomum para um machucado corriqueiro. Acabei inventando uma estória envolvendo uma namorada que eu nunca tive em um sexo muito louco no meio da floresta. O médico ficou espantado, ele falava o tempo inteiro “puxa, mas que estranho ein?”.

Ao menos, não foi a médica que me atendeu. Ela fez a minha ficha. Ela era muito rabugenta. Quando pediu meu R.G. e eu falei que não tinha ele comigo, ela disse “Como você vem num posto de saúde e não traz documentos?” em um tom seco. Ainda bem que ela me passou para outro médico.

Ele passou um remédio no local e fez um curativo. Ele disse que se eu tivesse ido lá antes, poderia ter suturado e a cicatrização seria mais rápida. E que se o corte tivesse sido um pouco mais profundo, teria pegado uma artéria e eu correria o risco de ter uma hemorragia. E aí ele me receitou um antiinflamatório. Agora eu estava na farmácia do posto, esperando para que a enfermeira pegasse o remédio. E comecei a ouvir trovões. Logo choveria, e eu ainda estava “dando uma volta de bike”. Meus pais ficariam preocupados.

Ela demorou, mas chegou com o meu remédio. Eu agradeci e fui embora. Quando pisei do lado de fora do posto, meu celular tocou. Já era minha mãe preocupada. “Onde você está? Está caindo raios, vem logo para casa!” Ela gritava. Eu desliguei o celular e comecei a correr. Não sei se foi bom, porque minha perna estava machucada, mas eu estava muito mais longe do que eu normalmente vou quando saio para andar de bicicleta.

Pedalei muito. Percebi que finas gotas de água começaram a cair do céu. E eu ainda estava longe de casa. Eu corria cada vez mais. Os trovões eram cada vez mais altos, e os relâmpagos, mais fortes. As gotas de água foram ficando maiores. Estavam me molhando cada vez mais. Poças estavam se formando dos lados da rua. E eu estava ficando molhado.

Acabei me cansando, tive que reduzir a velocidade. Estava ofegante. E totalmente molhado. A chuva estava caindo muito forte. Senti minha perna se molhando, mas não de água, e sim de sangue. E meu celular tocou. “Onde você está? Olha só os raios que estão caindo! Vê se não demora!” Voltei a pedalar em alta velocidade. A minha camisa grudou no meu peito e na minha barriga, não havia um milímetro do meu corpo que não estivesse molhado. Reparei nas gotas de água que ricocheteavam ao caírem no chão. As poças de água que enchiam cada vez mais.

Logo me cansei de novo. Mas já estava na minha rua. Fui pedalando devagar até chegar em frente ao portão de casa. Tentei abri-lo. Mas a faxineira tinha trancado, e ninguém me ouviria do lado de fora. Era melhor se eu entrasse pelos fundos do que se ligasse do celular para a minha mãe vir me atender.

Entrei em casa, e mal falei com minha mãe, fui para o banho. Tirei o papel da receita e o remédio do bolso, escondi na gaveta, e liguei o chuveiro. Não há nada mais calmante do que água morna caindo sobre o nosso corpo, quando estamos exaustos e encharcados. Tirei a roupa depois que já tinha aberto o chuveiro. Ela já estava toda molhada mesmo. Ao menos eu estava tratando do meu ferimento agora. E meus pais não se preocupariam nem brigariam comigo. Fiquei relaxado de baixo do chuveiro. Muito relaxado.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Luta pela Vida

Outra imagem, produzida, fotografada e editada por mim:



terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A História do Renan


Nós estudamos por anos no mesmo colégio, mas eu só o conheci quando estávamos no final do terceiro ano do Ensino Médio. Ele era um rapaz legal, e logo após algumas conversas já havíamos nos tornado grandes amigos, tomando conhecimento um dos segredos mais íntimos do outro. Começamos a sair juntos e conhecemos, em nossas noitadas, vários dos melhores bares e baladas de São Paulo, além de termos ido a várias festas nas casas de nossos amigos. Eu sempre me dei muito bem com o Renan, nós até nos beijamos uma vez, estávamos bêbados. Aí você me pergunta: "Ué, mas você não o beijaria mesmo estando sóbrio?" E a resposta é: Não! Por dois motivos. O primeiro é que eu evito o máximo possível de me relacionar assim com qualquer amigo. Beijar alguém com quem você tem intimidade, mas com quem não cogita ter um relacionamento sério é um grande problema. E o segundo motivo é que eu não gosto de beijar rapazes heterossexuais, e o Renan é heterossexual. Inclusive posso dizer que a sua gula por bucetas era a única coisa nele que me deixava irritado. E foi por causa de uma buceta que a nossa amizade terminou, ao menos da forma como ela era antes.
Nós havíamos ido à casa de Huguinho, Zezinho e o terceiro nome eu me esqueci. E sim, esses são os nomes dos sobrinhos do Pato Donald. Tratava-se de amigos meus, trigêmeos, apelidados dessa forma. Eles estavam dando uma festa em casa e convidaram dezenas de pessoas, e eu tomei a liberdade de chamar Renan. A festa estava transcorrendo bem, pelo menos a parte que eu me lembro, até chegar Raffaela. A Raffa é uma moça legal, nós conversamos até hoje. O único problema dela não era bem ela, mas o namorado dela, um cara estranho, cujo nome também não me lembro de agora, que é, ou pelo menos era, traficante. E ele era conhecido por ser matador. E como a Raffa sempre foi uma menina bem apanhada, previ que o Renan iria arranjar problemas, e o avisei o mais cedo possível para não se meter com ela. Foi em vão. Se eu disse que o único problema da Raffaela era o namorado, menti. Ela é amaldiçoada por um desejo de adultério sem igual. E pelo que Renan me disse na própria festa, ela tinha terminado o namoro com o traficante, e ninguém ficaria irritado se eles ficassem um com o outro. Devo dizer que Renan caiu na tentação. E que ele saiu da festa de ambulância, baleado na cabeça por um amigo do traficante. Infelizmente, ele não morreu, mas o seu cérebro ficou terrivelmente comprometido.
Nós ainda somos amigos, às vezes saímos para conversar, comer um lanche, mas nunca mais tive uma conversa legal com ele. E obviamente, nunca mais fomos a festas... E Renan provavelmente têm se aliviado agora somente com a própria mão ou com garotas profissionais. Esse é o preço que ele pagou pelo deslize que ele cometeu. Foi a forma que o traficante encontrou para fazer justiça.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Pesadelo


Tive um sonho muito estranho há aproximadamente um mês. Escrevi-o e agora estou postando:

Acordo. Sinto meus braços e minhas pernas pesadas. Estou acorrentado sobre uma cama. O coxão está aos pedaços. Suas molas estão saindo e perfurando minha pele. Vejo meu sangue escorrendo. Um cobertor destruído está caído no chão. E a madeira da cama está aos pedaços. As correntes pesam tanto... Estão presas às paredes por cadeados. Preciso da ajuda de alguém. Mas estou sozinho.

Ouço gritos. Gritos de dor. Gritos de tristeza. Murmúrios. Choros. Eles estão chegando cada vez mais perto. Entrando no quarto. E eu ainda me sinto sozinho. No fundo, os gritos, murmúrios e choros são meus. É o meu próprio sofrimento. Os cadeados se abrem. As correntes se desprendem das paredes. Consigo me levantar, mas ainda tenho que arrastar as correntes. Elas ainda estão presas em mim e não consigo me livrar delas. E os gritos e choros ainda me perseguem.

Dou passos pesados pela casa. As correntes não são leves, e tenho que arrastá-las. Chego até um aposento e me deparo com um boneco. Ele tem o tamanho de um homem. Possui olhos grandes e redondos, mas de tamanhos diferentes um do outro, ambos com cílios bem compridos. O olho maior tem uma cicatriz e é branco. O boneco é cego. Parece que ele sorri. Mas sua boca está costurada. Talvez para ele não falar e não retorcer os lábios, para não parecer triste. Ele imita os meus movimentos. Ele é uma marionete, preso ao teto por correntes, e o seu controlador faz com que ele faça tudo o que eu faço. Chego perto dele. Tento tocar nele, mas percebo que há uma parede entre nós. Uma parede não, um vidro. Não, não é um vidro. É um espelho.

Me assusto. Viro meu rosto. Não quero olhar para ele. Quando levanto minha cabeça, para ver se ele é real mesmo, não enxergo mais nada. Só uma fumaça negra. Estou perdido. Sozinho. Só consigo enxergar poucos palmos à frente. Ando, ando e ando, e não chego a lugar nenhum. Nenhum objeto, nenhuma parede. Só um chão seco, rochoso. Minhas pernas se cansam. Acabo caindo com as mãos no chão. Não quero ficar lá, quero procurar alguma coisa. Não quero esse nada. Mas minhas pernas não aguentam andar.

A fumaça negra vai se condensando. Se solidificando. Por fim, elas acabam formando paredes negras. Estou em uma encruzilhada. Posso escolher qualquer um dos seis caminhos. Sigo em frente. Mas estou num labirinto. Várias bifurcações, muitas escolhas. Não sei o que fazer. Estou desesperado. Eu só corro por entre as paredes negras do labirinto, procurando uma saída. Mas nada. Estou eternamente perdido.

Consigo chegar a uma saída. Vejo o céu roxo, repleto de nuvens, e um caminho de chão rochoso. Quando chego mais perto, vejo um precipício. E tudo está envolto nas nuvens roxas. Se olho para cima, para frente, para baixo. Não importa. Só vejo as nuvens roxas e o fino caminho rochoso. Tenho medo de cair. Lá em baixo não há nada. Se eu cair, o que vai acontecer comigo? Estou sozinho. Estou com frio. Andando num caminho estreito. Precipício dos dois lados. Alto risco de queda.

Chego a uma construção. É um caminho. Como se fosse um túnel. Dentro dele tudo é branco, luminoso. Não é um buraco dentro da terra, mas sim um buraco no meio do ar. Subindo. Seus degraus são dourados e de dentro desse túnel eu ouço o som de vozes. Pessoas conversando, dando gargalhadas. Me sinto confortável. Começo a correr na direção desse túnel. Eu quero estar lá. Mas quanto mais ando, mais longe o túnel vai ficando. Quando mais eu corro, quanto eu mais me esforço, mais longe fico da saída desse mundo agonizante.
Ouço o som de algo voando. Vejo uma flecha, vindo de dentro do túnel de luz, em minha direção. Ela me acerta no rosto. Nos olhos. Não consigo mais enxergar nada. Só sinto o sangue jorrando de minha face. Acabo tropeçando e caindo no chão. Não consigo mais andar. Não consigo mais ver. Não consigo mais fazer nada, estou imobilizado. E só ouço as gargalhadas, que vinham de dentro do túnel de luz, se afastando. E afastando. E afastando, cada vez mais.

Tento tatear um caminho. Não quero ficar para trás. Não quero ser ignorado. Eu quero entrar no túnel de luz... Por que me rejeitaram? Por que me machucaram? Tateio o chão com as mãos. Não quero cair no precipício infinito. Cheguei à borda. Sinto a beirada da rocha. Ela está se desfazendo. Tento recuar, mas tudo está desmoronando. Não consigo me manter firme. Acabo caindo. Caindo.

Não vejo nada. Não ouço nada. Não sinto nada. Não sou nada. Tudo acabou. O silêncio, a escuridão e o frio me deixam louco. A única coisa que eu sei é que estou caindo, em um buraco sem fundo. Cada vez mais rápido, com meus ombros pesados. Sinto o peso de meus pecados me puxando para baixo. Desisto. Desisto de viver. Desisto de ser feliz. Desisto. Deus.