terça-feira, 12 de outubro de 2010

Indiferença


 Feliz Dia de Nossa Senhora Aparecida; Dia das crianças não é feriado.
 Outro texto antigo, dessa vez uma crônica:

Suzana odiava aquele emprego. Ela trabalhava no diário local, mas não era repórter. Ela andava o dia inteiro pela cidade procurando pessoas sem importância nenhuma para dar avisos, discutir sobre coisas inúteis ou analisar se há a possibilidade de o caso delas virar uma notícia, para depois uma pessoa mais importante do que Suzana entrevistá-la.

Já passava das sete horas, era inverno e a noite era fria e escura. Suzana dirigia um pequeno e apertado uno branco com adesivos da empresa. Aquele era seu último destino do dia, ela deveria levar a notícia da vitória ao vencedor do concurso de redações do jornal. O problema era que ele morava em um complexo de difícil acesso. As ruas eram escuras, cheias de buracos e quase impenetráveis. Suzana já estava ante a última rua antes da do seu destino. Era uma grande ladeira, as rodas do carro escorregavam na lama e os buracos e pedras fizeram a parte de baixo do carro ser atingida inúmeras vezes. As rodas derrapavam enquanto o carro continuava parado.  Ela parou de acelerar e desceu vagarosamente o pouco da rua que ela tinha conseguido subir.

Estacionou lá mesmo e desceu do carro. Ela estava de salto alto e seria difícil subir a mesma rua. Mas ela viu uma escadaria a alguns metros de distância, no meio do morro, que provavelmente daria no mesmo lugar. Resolveu seguir por ela. Alguns postes de luz iluminavam um pouco a escada em algumas partes, mesmo assim ainda era muito escuro. Podia-se ouvir o som de grilos, pessoas conversando e música em algum lugar distante. Os degraus eram irregulares e isso acabou deixando Suzana cansada. Ela avistou um pouco à frente, de baixo da luz de um dos postes, uma pessoa que andava de um lado para o outro. Usava roupas grandes, largas, provavelmente doadas. Um capuz escondia sua face. Ela ficou temerosa. Por quais motivos uma pessoa ficaria àquela hora andando de um lado para o outro, no meio do nada?

Ela achou melhor desviar, entrando em uma viela que ligava um dos patamares da escada à rua. Subindo a ladeira ela ficou mais cansada ainda. Passou na frente de um bar, de onde vinham as vozes e a música. Vários homens, todos de aparência horrível, desleixada, bebiam cerveja e riam alto. Provavelmente, todos bêbados. Era horrível de se ver aquilo. O que leva uma pessoa a aceitar isso como estilo de vida? Ela passou reto. Achou que os homens iriam mexer com ela, mas nem a notaram. Para sua sorte, o bar não era tão longe da rua do garoto. Ela foi até a casa que deveria ser onde o garoto morava. Ela bateu na porta. De dentro, ouviu gemidos e murmúrios. Ninguém apareceu. Ela bateu novamente e esperou um pouco.

Uma mulher gorda, toda descabelada e com os olhos inchados abriu a porta. Suzana pensou que ela provavelmente também estaria bêbada.  A mulher disse:
- “Quié”?
- Olá, eu sou Suzana, representante do Jornal local, e queria anunciar que o garoto Eduardo Souza venceu o concurso de redações que foi feito na escola dele.
A mulher fez uma careta. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto. Ela respondeu:
- Ele se suicidou...

Suzana ficou paralisada. Isso foi um choque. Ela não esperava isso. Sua respiração ficou descompassada. Ela não sabia o que fazer. Quando conseguiu se recuperar um pouco, disse “obrigada” e deu as costas para  mulher, que fechou a porta sem dizer nada. Suzana não conseguia parar de pensar nisso. Olhou os papéis, o garoto devia ter somente 16 anos. Por que motivo uma criança dessas iria se suicidar? Como deveria ser a vida dele, para chegar a esse ponto? Isso foi aterrorizante. Surpreendente. Ela não tinha palavras para descrever. Quem diria que um trabalho no diário como o dela poderia ser tão emotivo? Ela jamais havia imaginado passar por uma situação dessas.

Quando ela notou que estava descendo as escadas ao invés de seguir pela rua para não passar pelo garoto estranho, já era tarde demais. Lá estava ele, andando de um lado para o outro ainda, alguns metros a sua frente. Ela ficou com medo. Achou melhor seguir reto, indiferente, para não chamar atenção nem levantar suspeitas. Quando ela saiu da escuridão para a luz onde o garoto se encontrava, com seus passos rápidos e expressão indiferente, ele se jogou para o lado e ficou em posição defensiva. Ele se assustou com Suzana. Ela pôde olhar dentro do capuz. Era um garoto muito novo, devia ter 13 anos. Seus olhos expressavam medo, receio, preocupação. Suzana, surpreendida, ficou paralisada por um instante, mas logo o medo a fez sair de lá e continuar seu caminho. Seu coração estava quase pulando para fora da garganta garganta. Ela não conseguia pensar em nada até terminar de descer as escadas. Entrou no carro.
Enquanto voltava para a sede do diário, pensava nos acontecimentos daquela noite. Por que motivos o garoto havia cometido suicídio? E o outro que estava nas escadas, estava preocupado com o quê? Ela começou a se sentir culpada. Talvez o que se assustou com ela também estivesse pensando em suicídio. E na hora, ela só estava preocupada em sair logo de lá. Talvez o garoto precisasse de atenção, e ela pudesse fazer alguma coisa. Mas não. E agora ela estava indo para a sede do jornal e depois para casa, para poder tomar um banho e dormir em sua confortável cama.

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