João era perfeitamente medíocre. Havia momentos em que tinha
vergonha de si mesmo. Queria esconder quem ele realmente era. O seu passado
vergonhoso, aquela mania estúpida, aquele medo irracional, aquela frustrante
incapacidade de fazer aquela tarefa com a qual todos tinham facilidade. Tinha
vergonha de seu pai, que não chegara a conhecer. Tinha vergonha de sua mãe, que
de tão simples, mal sabia escrever. Tinha vergonha de si mesmo, por todas as
coisas que seus pais deveriam ter-lhe ensinado quando era criança e que lhe
faziam falta como adulto.
Antônio tinha o pé torto. Era gago. Vesgo. Não sabia tocar
violão. Não falava inglês. Suas acnes lhe incomodavam. Queria ser mais baixo,
pois acreditava que sua imensa estatura era responsável tanto pela sua
aparência desengonçada quanto pelo fato dele ser desastrado.
Francisco tinha medo de fazer novas amizades. De que o
achassem estranho. Tinha medo de falar besteira e passar vergonha. De falar
alto demais e incomodar as pessoas. De acabar gargalhando e todos perceberem
quão esquisita era a sua risada. Tinha vergonha de seu mau hálito. Simplesmente
não conseguia conversar, pois as palavras certas não lhe vinham à boca, e suas
tentativas de diálogo se resumiam a momentos de intenso e inoportuno silêncio.
Luiz não tinha namoradas. Não conseguia se aproximar de
garotas. Não sabia o que falar. Muitas o achavam feio. Outras não gostavam de
sua voz. Ele não sabia beijar direito. A garota com quem ele perdeu a
virgindade contou para as amigas que ele era sem-graça, ruim de cama.
Quando fez dezenove anos, Paulo tentou arrumar um emprego. Era vendedor de uma loja de móveis. Quanto mais ele vendesse, mais dinheiro conseguiria. Mas no final, ele nunca conseguiu muito com isso. Seus colegas de serviço eram bem melhores do que ele. A agonia que tinham por vender mais do que os outros acabou fazendo com que Marcos ficasse para trás e fosse rebaixado para a área de assistência técnica da loja.
A aposentadoria da mãe de Manoel mal dava para comprar os
remédios que ela precisava. Ela acabou ficando muito doente. Ele a levou à
cidade grande e procurou um médico. Ela precisou ser internada. Mas a fila de
espera para receber a cirurgia era tão grande que ela faleceu antes de ser
tratada. Ele estava sozinho. Sem ninguém para ampara-lo, sofrendo as constantes
punições e humilhações da vida. Até que encontrou Ana.
Márcia era mediocramente perfeita. Havia momentos em que
tinha orgulho de si mesma. Queria que o mundo a visse da forma que ela queria.
O seu futuro brilhante, as suas nobres virtudes, as suas iniciativas proativas,
aquela invejável disposição de fazer as tarefas das quais todos tinham
preguiça. Tinha orgulho de seu pai, que mesmo sendo divorciado e morando longe,
ajudava financeiramente a filha. Tinha orgulho de sua mãe, que mesmo sendo
simples, sempre fez de tudo para ver Joana bem. Tinha orgulho de si mesma, por
todas as coisas que seus pais deixaram de lhe ensinar ela conseguiu aprender
com a vida.
Francisca era encantadora. Tinha a voz bonita. Olhos verdes.
Cantava bem. Conseguia se expressar bem. Seu olhar era profundo. Gostava de ser
alta, pois chamava a atenção dos rapazes para o seu belo corpo.
Adriana tinha amigos. Eram estranhos, mas eram amigos.
Falavam besteiras juntos, passavam vergonha juntos. Falavam alto e atazanavam
uns aos outros. Quando estavam reunidos, gargalhavam tanto que até perdiam a
voz. Eles simplesmente se davam bem. Não precisavam de uma ocasião especial
para se encontrar, nem de um assunto para conversarem. Falavam sobre
trivialidades e se sentiam bem com isso.
Antônia não tinha namorados. Não queria saber de
compromissos, preferia aproveitar a vida. Alguns rapazes a pediram em namoro,
mas ela não queria nada sério. Ela não gostava de rotular seus relacionamentos
com palavras como “amigo”, “ficante” ou “namorado”. Ela gostava mesmo era de
ter companhia e de poder fazer o que quisesse quando quisesse e com quem
quisesse.
Quando fez dezenove anos, Sandra tentou arrumar um emprego.
Era vendedora de uma loja de eletrônicos. Quanto mais ela vendesse, mais
dinheiro conseguiria. Mas no final, ela nunca conseguiu muito com isso. Seus
colegas de serviço eram melhores do que ela. Mas por outro lado, ela lidava bem
com as pessoas, e isso não passou despercebido aos olhos de seu chefe. Patrícia
foi promovida para a área de assistência técnica da loja.
A aposentadoria da mãe de Vera mal dava para comprar os
próprios remédios, e por isso ela ficou muito doente. Ela a levou à cidade
grande e procurou um médico. A mãe precisou ser internada. Mas a fila de espera
para receber a cirurgia era tão grande que ela faleceu antes de ser tratada.
Josefa orava a Deus por sua mãe, desejando que ela estivesse
em um lugar melhor, descansando, livre de todos os sofrimentos terrenos. Mas
afinal, a jovem estava sozinha. Sozinha... Até que encontrou Carlos.
Eles formavam um casal perfeito. Completavam um ao outro.
Logo no início do relacionamento já tinham planos. Iriam se casar, formar uma
família, ter filhos. Trabalhar, juntar dinheiro, dar festas e fazer viagens. Juntos,
iriam observar as nuvens e as estrelas. Sentariam lado a lado na praia,
escutando as ondas. Viajariam pelas estradas do país, com as janelas do carro
escancaradas e a música no último volume. Iriam passear no parque de mãos
dadas. Iriam tomar café juntos, logo que acordassem, antes mesmo de tirar os
pijamas. Eles seriam felizes. Juntos.
Não. Eles não foram felizes. Marcelo teve medo de dar
continuidade ao relacionamento. Imaginava que, uma hora, tudo iria dar errado.
Já passava pela sua cabeça a ideia de que Larissa mantinha casos com os seus
antigos amigos. Tudo pioraria depois que casassem. Ricardo estava decidido a
terminar com esse relacionamento, e assim o fez.
Os dois sofreram muito depois de romper.
As últimas palavras de Maria, antes de morrer, foram “Eu deixo
a vida me levar. A frustração é o único efeito de tentar controlar o próprio
destino”. Ela foi atropelada por um ônibus. Quando Roberto descobriu,
afundou-se em remorso. “Devia ter aproveitado enquanto ela estava viva”,
pensou. Deixou de amar e ser amado por praticamente motivo nenhum. Sequer teve
filhos.
José teve uma vida medíocre até que a velhice. Uma gripe o
levou embora. As suas últimas palavras foram “Não tive nada na vida, mas
aproveitei a vida que consegui ter”.