Hoje aconteceu algo muito estranho. Muito mais estranho do
que se espera que aconteça em dias normais. Eu passei por uma árvore seca. Ela
sempre esteve lá. Mas hoje ela estava diferente. Eu escutava um barulho vindo
de dentro dela. Um barulho de água, como se houvesse um riacho ou uma
cachoeira. Cheguei mais perto para procurar de onde o sonho vinha. Não percebi
nada além de notar que o som estava mais alto.
Realmente era o barulho de água.
E vinha de, se não bastasse ser uma pequena árvore, uma árvore estava seca.
Mesmo que houvesse um rio subterrâneo passando por baixo da árvore, então ela
não deveria estar seca. Mas, por outro lado, o rio poderia ter aparecido depois
de a árvore secar. Mas isso não faria sentido, pois o barulho que eu escutava
era de um volume muito maior de água do que o que poderia ter aparecido ali
naturalmente, em uma quantidade de tempo inferior ao do apodrecimento do
tronco. Mas talvez não tenha sido naturalmente. Talvez fosse um encanamento da
cidade que tivesse rompido. Ou não, porque esse tipo de barulho a gente escuta
quando há contato do rio com o ar. Imagino que um rio subterrâneo, a não ser
que seja uma caverna com galerias que ecoassem até aquela árvore, não deveria
fazer aquele barulho. Mas e se fosse? Talvez uma caverna ainda não descoberta
passando por baixo da cidade. Mas por que o som dessa caverna seria emitido por
um tronco seco? Talvez, bem no nó da árvore, haja um buraco que tenha conexão
com um buraco maior ainda, que tem ligação com uma rede de túneis que ecoa o
barulho de uma imensa cachoeira, bem debaixo da cidade. Talvez, aquelas teorias
de Júlio Verne não estejam tão erradas. Pode haver vida no centro do nosso
planeta, e até mesmo um sol interno, como acreditam aqueles conspiracionistas
extremos.

E toda a minha descoberta, tudo aquilo que eu estava escutando, vinha
de dentro da minha árvore seca. Uma árvore. Nenhum rio no raio de quilômetros.
E aquele maldito vegetal morto fazendo o barulho de água corrente. Eu tenho
vontade de dar tiros nele. Para ver se ele continuaria fazendo o mesmo barulho.
E se ele não estivesse morto? E se, ao invés de um vegetal morto, aquilo não
fosse um animal vivo? Já ouvi falar de pássaros que aprendem um som e conseguem
reproduzi-lo perfeitamente. Mas não podia haver nenhum ninho ou toca naquele
pedaço de madeira. Não que eu conseguisse ver, pelo menos. Mas não
necessariamente esse animal precisa ser um pássaro, ele pode ser só uma
cigarra. Uma cigarra estranha que faz barulho de água. Uma cigarra conseguiria
se esconder ali no meio muito melhor do que qualquer pássaro. Mas eu nunca ouvi
uma cigarra fazendo barulho diferente do habitual. Até existem alguns ritmos
diferentes, talvez entre as espécies, mas sempre é aquele som chato. Uma
cigarra jamais conseguiria fazer o barulho de um rio. Mas, o animal poderia não
estar dentro do tronco. Ele podia ser o tronco. Igual àquelas borboletas que a
gente vê que imita a casa das árvores. Mas nesse caso, talvez o animal imitasse
um tronco inteiro. Acho pouco provável. Talvez o tronco fosse a “casinha” do
animal, como um caracol ou ermitão gigante. Que usa um tronco de árvore como
toca. E que faz barulho de água. Não, não. Impossível. Se for mesmo um animal,
a única probabilidade é que sejam vermes e larvas aí dentro. Não, nem isso. Eu
nunca ouvi falar de nada sequer parecido com isso antes. Deve haver outro
motivo para essa árvore seca fazer o barulho de um rio. Não deve ser um animal.
Acho mais fácil ser o mundo no centro da terra do que um animal nunca antes
visto pela ciência. Eu não sei o que era. Mas sei que é muito estranho.
Estranho demais para ser compreendido. Um verdadeiro mistério.