Um zumbido era a única coisa que passava por dentro da
minha cabeça. Eu tentava enxergar o mundo, mas ele estava embaçado e girando à
minha volta. Tentei encontrar o chão, mas a única sensação que meus pés me
transmitiam era um agonizante confinamento. Estava ficando tão desesperado que
arranhei o solo: Era a minha última chance de ter certeza de que estava em
algum lugar. Não sei como descrever quão bom foi saborear cada um dos grãos
daquela superfície áspera raspando entre a carne e a unha dos meus dedos. A dor
intensa não superava a deliciosa sensação de que eu não estava perdido no
universo.
Quando acabou, a sensação não era mais tão ruim. Mas
ainda era muito ruim. Eu estava sem forças nem sequer para levantar do chão.
Minhas pernas estavam bambas e minha cabeça doía. Eu só queria que tudo
acabasse. Só queria dormir e esquecer a minha existência. Eu nem sequer tinha um motivo para levantar do
chão, poderia ficar ali até o dia da minha morte, que não demoraria muito. Não
tinha ânimo para encarar a realidade. No mal estado em que me encontrava, a
última coisa que eu queria era ficar procurando dinheiro para voltar para casa.
Eu não tinha nem certeza se seria aceito em casa, daquele jeito.
A cada passo que eu dava, tinha cada vez mais a sensação
de que havia milhares de pregos dentro do meu tênis. Cada segundo que passava
demorava toda a eternidade, fazendo-me sentir imortal. Isso é, se eu pudesse
dizer que estava vivo. Parecia que o zumbido e as pontadas no fundo do meu
cérebro nunca mais me deixariam.
Fiquei ofegante. Era demais esperar que meu corpo
exercesse tanto esforço nas condições em que eu me encontrava. Apoiei-me em
alguma parede pelo caminho e deixei que meu corpo escorregasse vagarosamente
até ficar deitado na calçada. No fundo, eu sei que o chão gosta muito de mim.
Parece que existe uma atração irrepreensível entre a minha pessoa e a
humilhação de cair em lugares imundos, impulsionada pelo fardo do fracasso que
carrego em meus ombros. Ficar inconsciente na calçada é nojento. Chego a me
comparar com os mendigos e os bêbados que se perdem na noite.
O raiar do sol é mais uma humilhação indireta de Deus.
Todas as pessoas decentes já acordaram e agora se dirigem aos seus empregos. No
final do mês vão receber o pagamento, comprar comida e aproveitar com a
família, o que torna acordar um passo diário na busca de suas ambições.
Enquanto isso, pessoas como eu só veem o amanhecer como mais uma etapa no
fracasso de viver. A verdadeira humilhação é sentir o cheiro da borracha dos
sapatos que quase pisam na sua cabeça, sem que os olhares de seus donos
encontrem o seu.
Diziam-me constantemente que eu me sentiria um lixo, que
nada disso jamais seria útil, que eu acabaria morrendo mais cedo. Mas o
suicídio também sempre esteve em minha mente. Eu só escolhi uma forma
alternativa, e um pouco mais lenta, de realiza-lo. Eu sei que assim eu acabo
sofrendo mais. Mas pelo menos não estou destruindo a minha vida, porque, afinal
de contas, ela nunca foi construída.
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