Trovões. Estou ouvindo trovões. Isso não é bom. No verão,
isso significa que daqui a pouco vai chover.
Eu tenho que voltar para casa antes que comece a chuva.
Mas ainda estou aqui, no posto de saúde, esperando a enfermeira pegar o
antiinflamatório que o médico me passou.
Por que antiinflamatório? Por um ato de
irresponsabilidade, eu acabei fazendo um machucado na parte alta da perna. Como
foi muita irresponsabilidade, eu não quis que meus pais ficassem sabendo, se
não eles brigariam comigo. Foi um corte mais ou menos profundo, sangrou muito,
mas passou. Isso aconteceu há dois dias. Hoje, quando acordei, estava começando
a formar pus. Conversei com uma amiga por MSN, e ela disse que era melhor eu ir
num médico.
Eu não pediria para meus pais me levarem. Se eles
ficassem sabendo do meu machucado, eles iriam brigar comigo. Resolvi falar para
minha mãe que eu iria andar de bicicleta. Mas na verdade eu fui ao posto de
saúde.
Foi complicado dar uma desculpa para o médico. O lugar
era meio incomum para um machucado corriqueiro. Acabei inventando uma estória
envolvendo uma namorada que eu nunca tive em um sexo muito louco no meio da
floresta. O médico ficou espantado, ele falava o tempo inteiro “puxa, mas que
estranho ein?”.
Ao menos, não foi a médica que me atendeu. Ela fez a
minha ficha. Ela era muito rabugenta. Quando pediu meu R.G. e eu falei que não
tinha ele comigo, ela disse “Como você vem num posto de saúde e não traz
documentos?” em um tom seco. Ainda bem que ela me passou para outro médico.
Ele passou um remédio no local e fez um curativo. Ele
disse que se eu tivesse ido lá antes, poderia ter suturado e a cicatrização
seria mais rápida. E que se o corte tivesse sido um pouco mais profundo, teria
pegado uma artéria e eu correria o risco de ter uma hemorragia. E aí ele me
receitou um antiinflamatório. Agora eu estava na farmácia do posto, esperando
para que a enfermeira pegasse o remédio. E comecei a ouvir trovões. Logo
choveria, e eu ainda estava “dando uma volta de bike”. Meus pais ficariam
preocupados.

Pedalei muito. Percebi que finas gotas de água começaram
a cair do céu. E eu ainda estava longe de casa. Eu corria cada vez mais. Os
trovões eram cada vez mais altos, e os relâmpagos, mais fortes. As gotas de
água foram ficando maiores. Estavam me molhando cada vez mais. Poças estavam se
formando dos lados da rua. E eu estava ficando molhado.
Acabei me cansando, tive que reduzir a velocidade. Estava
ofegante. E totalmente molhado. A chuva estava caindo muito forte. Senti minha
perna se molhando, mas não de água, e sim de sangue. E meu celular tocou. “Onde
você está? Olha só os raios que estão caindo! Vê se não demora!” Voltei a
pedalar em alta velocidade. A minha camisa grudou no meu peito e na minha
barriga, não havia um milímetro do meu corpo que não estivesse molhado. Reparei
nas gotas de água que ricocheteavam ao caírem no chão. As poças de água que
enchiam cada vez mais.
Logo me cansei de novo. Mas já estava na minha rua. Fui
pedalando devagar até chegar em frente ao portão de casa. Tentei abri-lo. Mas a
faxineira tinha trancado, e ninguém me ouviria do lado de fora. Era melhor se
eu entrasse pelos fundos do que se ligasse do celular para a minha mãe vir me
atender.
Entrei em casa, e mal falei com minha mãe, fui para o
banho. Tirei o papel da receita e o remédio do bolso, escondi na gaveta, e
liguei o chuveiro. Não há nada mais calmante do que água morna caindo sobre o
nosso corpo, quando estamos exaustos e encharcados. Tirei a roupa depois que já
tinha aberto o chuveiro. Ela já estava toda molhada mesmo. Ao menos eu estava
tratando do meu ferimento agora. E meus pais não se preocupariam nem brigariam
comigo. Fiquei relaxado de baixo do chuveiro. Muito relaxado.