sábado, 28 de abril de 2012

A Senhora e a Caixa


O trem parou em uma estação. Depois em outra. A certa altura, quando as portas se abriram, entraram várias pessoas, dentre elas uma senhora que ficou do meu lado. Ela usava roupas simples, seu cabelo estava preso, sua pele era cheia de pequenos furos e ela tinha bigode. Ela estava com a boca meio aberta, e os seus dentes eram tortos. Ela provavelmente era uma operária, pois o trem estava parado na estação de um bairro industrial. Ela carregava na mão esquerda uma bolsa branca e laranja daquelas que você ganha de brinde da empresa, e com a mão direita ela estava carregando uma caixa de sapato. As portas do vagão se fecharam e o trem começou a andar. A senhora se apoiou com as costas em uma barra do vagão, colocou a bolsa no chão e ficou segurando a caixa com as duas mãos, olhando fixamente para ela. Lá dentro devia haver algo muito valioso, bem mais valioso do que a bolsa e todo o seu conteúdo. Passamos por mais uma estação, e depois por outra. Até que o garoto que estava do meu lado se levantou, e a senhora da caixa de sapato se sentou no lugar dele. Então eu pude a observar mais de perto.

Ela pôs a bolsa do lado do banco e ficou segurando a caixa de sapato no colo, ainda sem tirar o olho dela. O trem deu um repentino solavanco, que a fez se assustar. Então ela levantou a tampa da caixa de sapatos, e eu pude ver o seu conteúdo. Era um filhote branco de coelho. Suas orelhas estavam tombadas para trás, ele provavelmente estava com medo de todo aquele movimento e barulho. A caixa estava cheia de bolinhas de ração espalhadas, e também havia duas tampinhas de garrafa. Uma delas estava com um pouco de ração dentro, e a outra estava tombada, com uma mancha de molhado no papelão sob ela.

A senhora começou a fazer carinho no coelho. Com o passar da mão, ela levantou alguns pelos e eu pude ver uma ferida no couro do pobre animal. Então ela disse “Não se preocupe, não vou deixar que te machuquem mais”. Ela respirou fundo e começou a passar os dedos entre as orelhas do animalzinho. “As pessoas matam qualquer coisa sem precisar de motivo, mas eu vou cuidar de você”, ela sussurrou tão baixo que se eu não estivesse prestando atenção, não a ouviria. Ela estava certa, os homens brigam por simples conceitos. Basta a ética de duas pessoas divergirem para elas se odiarem. Quem dera se todos os humanos se amassem da mesma forma que aquela senhora demonstrava amor por aquele coelho. Mas sempre há dinheiro, política, ideologias ou religiões envolvidos, para fazer com que as pessoas se odeiem e briguem, ou então se amem só por interesse.

O trem chegou ao meu destino e eu desci. A senhora e o coelho continuaram sua viagem. Minha casa não era muito longe da estação, então fui a pé. Já era noite, e as luzes dos postes estavam acesas iluminando um pouco as ruas. Atravessei o centro da cidade, passei por uma praça onde havia uma banda tocando “Imagine” no palco. Eu pude relacionar a letra da música com a minha experiência no trem. Quando cheguei em casa, fui tomar banho, e fiquei imaginando se a senhora já havia chegado na casa dela. Peguei-me desejando que o coelho sarasse e fosse bem cuidado pela sua nova dona. O mundo seria um lugar tão pacífico se todos pensassem da mesma forma que ela...

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