- Oi.
- ...
- Por que você está aqui?
- Sei lá. Só quero refletir um pouco.
- Você está triste?
- Não.
- Mas não está bem.
- Estou sim.
Ela ficou encarando-o. Ele rapidamente a fitou por alguns
instantes, com a sobrancelha arqueada, e depois voltou seu olhar para baixo.
Não queria ferir seu orgulho expressando a necessidade de um ombro amigo, mas
seu coração gritava por socorro. Ela percebeu. E também reparou que ele queria
que ela insistisse. “Atitude infantil”, ela pensou, “Mas o que ele mais precisa
é sentir que alguém realmente se importa com ele”.
- Não sei. Estou meio confuso.
- Como você está se sentindo?
- Preso. À rotina. Parece que é tudo sempre igual... E
que ainda falta alguma coisa.
- Não entendo. O que é essa coisa?
- Eu queria fazer algo diferente. Beijar alguém. Eu
queria ser mais valorizado.
- Mas eu sou sua amiga e te valorizo! E não sou a única.
- Eu sei... Mas é diferente. Parece que o que eu sinto
não é o suficiente.
- E o que você sente por nós?
- Vocês são meus amigos, e são maravilhosos. Mas mesmo
assim parece que falta algo, como se vocês estivessem sempre sorrindo para mim,
só que do outro lado de uma parede de vidro.
- Quê? Eu pensei que nós te alegrássemos...
- E vocês me alegram. Eu não poderia pedir a Deus para
ter amigos melhores do que vocês. Mas ainda parece que falta alguma coisa
dentro de mim, e não ao meu lado.
Ela olhou para baixo, tentando entender o que ele estava
querendo dizer, mas não conseguia. Antes ela estava com a esperança de
animá-lo. Talvez até tê-lo chorando ao seu ombro. Mas agora, estava ficando
confusa e desanimada.
- Você acha que nós não te valorizamos o suficiente?
- Valorizam, sim. Vocês são as melhores pessoas do mundo
nisso. Eu não sei o que faria se não os tivesse sempre ao meu lado, me pondo
pra cima e me elogiando. Eu provavelmente me afundaria em uma crise de baixa
autoestima.
- Mas... Se é assim, por que você ainda não se sente bem?
- Não sei. É complicado. Não consigo descrever meus
sentimentos.
- Eu não vou conseguir te ajudar se você não tentar.
- Eu acho que você não vai conseguir me ajudar mesmo se
eu tentar.
Ela suspirou. “Ele é irritante. Não sei por que ainda
estou aqui, devo gostar muito dele para aturá-lo quando diz essas coisas.” Ela
o encarou. Pegou em sua mão e recostou a cabeça em seu ombro, acariciando suas
costas com a outra mão. Eles ficaram um tempo em silêncio. Ele, com os lábios
apertados, fitava o vazio, refletindo.
- Por que não?
- Eu não sei. Eu sempre coloco algo como meta pensando
que vou atingir um nível de epifania ao concluí-lo. Mas quando finalmente
atinjo meu objetivo, não me sinto satisfeito. Pelo contrário, acabo ficando
ansioso por conseguir mais, e mais, e mais... Eu poderia até dizer que sinto um
pouco de remorso por não ter sido melhor.
- Não entendi nada.
- Eu imagino. Meus pensamentos não fazem sentido, não é?
- Nem um pouco.
Os dois olharam para o céu. Algumas nuvens bem brancas
vagavam no meio da imensidão azul. Ao redor, o som do vento, alguns pássaros.
Cachorros latindo bem longe, e, mais ao fundo ainda, o ronco de motores. Ela se
ajeitou um pouco ao seu lado. Ele se sentiu bem por tê-la abraçando-o.
- Você gostaria de beijar alguém?
- Sim. Mas não qualquer pessoa. Eu quero beijar alguém,
sei lá... Bonito.
- Que estranho. Quero dizer, quando uma pessoa sonha em
estar com alguém, esse alguém é específico. E não um bonito genérico...
- É. Talvez... Eu acho que esse meu alguém genérico, na
verdade, é específico.
- Ah, agora estou começando a te entender. E essa sua
vontade não é recíproca por parte da outra pessoa?
- É recíproca, sim.
- Então por que vocês não a tornam realidade?
- Eu não sei. Eu acho que é medo.
- Medo do quê?
- De no final dar tudo errado, sabe? Não sei se eu
conseguiria conviver com essa pessoa. Tem várias coisas nela que eu odeio. Mas
também tem várias coisas nela que eu adoro.
- Como assim?
- Sei lá. No início, nós nos entendíamos perfeitamente.
Mas parece que não falamos mais a mesma língua. Essa pessoa mudou muito.
Tornou-se só mais alguém que eu não conheço mais.
- Aposto que você não mudou menos do que essa pessoa.
Ela olhou o rosto dele. Os cantos da boca curvados para
baixo, os olhos tristes e úmidos. Agora era ele que estava deitado em seu colo,
recebendo cafunés consolativos.

- É claro.
- A minha vida é uma constante interrogação. Eu sempre
estou fazendo perguntas.
- Realmente. Principalmente para mim.
- E muitas pessoas me oferecem respostas. E eu as aceito
e as levo comigo. Eu não deveria fazer isso.
- Por que não?
- Na verdade, é como se todos respondessem as minhas
perguntas, mas não para mim, e sim para si mesmos. Como se todos os indivíduos
do universo estivessem cegos, e eu acabo incomodando-os quando tento tirar as
minhas vendas. As respostas que me dão são somente uma tentativa de enterrar
minhas questões.
- Realmente. Isso não faz sentido nenhum.
- Haha, agora trocamos de papel, não é?
Eles sorriram. A incerteza mútua tornou o momento mais
confortável do que ele seria se em solidão. Afinal, qualquer pessoa se sente
melhor acompanhado do que sozinho.
- Sabe, criticar não é legal. Eu só queria viver. Eu só
queria amar. Mas tudo se torna mais difícil quando todo mundo quer impor a mim
o que eles pensam e consideram certo.
- Eu sinto saudades.
- Saudades do quê?
- Eu não sei. Você não se sente mal por todos quererem
manipular as suas respostas?
- Um pouco. É triste quando a gente percebe que o mundo
não é nada daquilo que nós imaginamos. Mas afinal, não existem respostas para a
vida. E ignorar o que dizem seria como não viver e não amar. Seria mais triste
ainda.