
Martelada depois de martelada, eu repetia, incessantemente,
pregando madeira a madeira. Estava muito calor, a casa era abafada, a cidade
quente, e eu sentia as gotas de suor escorrendo pelas minhas costas. Estava
martelando um estrado para a minha nova cama. Tanto a estrutura de madeira
quanto as ripas que eu martelava, eu havia conseguido no lixão, de manhã.
Afinal de contas, aquele era meu dia de folga, mas mesmo assim eu acordei logo
cedo. Tive que conseguir uma cama para passar a noite na casa onde estava.
Tinha alugado o imóvel por uma semana, para saber em que estado tudo se
encontrava. Eu sabia que lá havia baratas, por isso quis ter pelo menos uma
cama para passar as noites. O ambiente também estava fedido, mas disso e das
outras coisas eu cuidaria no dia seguinte. Se algum problema não tivesse jeito,
eu iria tratar com o proprietário. Eu precisava observar a real condição da
casa, pois os donos pediram trinta e cinco mil reais para vendê-la, e meu
dinheiro era curto, eu precisava verificar se realmente o custo valia a pena
antes de fazer um financiamento no banco. Por isso aluguei a casa por uma
semana, para ver como ela estava antes de comprá-la e me mudar. Afinal de
contas, eu me interessei por aquela casa pela sua localização: Bem em frente ao
cemitério. E também ouvi boatos de que alguém havia morrido lá dentro. Acho que
por esses dois fatores o valor do imóvel estaria bem acessível. Mas não custa
nada verificar se não havia encanamentos quebrados ou instalações elétricas mal
feitas, quem sabe eu poderia reduzir ainda mais o custo. Eu sei que comprar um
imóvel próprio ainda estava fora da minha capacidade, meu salário no novo
emprego ainda era baixíssimo. Mas em longo prazo, eu economizaria muito mais
comprando aquela casa do que morando no hotel. Quando eu me mudei para aquela
cidade, não havia nenhum imóvel disponível. Nos primeiros dias, hospedei-me em
um hotel precário no centro da cidade. Não havia roupa de cama, o banheiro era
imundo, a água do chuveiro, fria. Mais tarde negociei para pagar um valor mais
baixo, em troca, eu mesmo arrumaria o meu quarto, não precisaria das
camareiras. Afinal de contas, eu mal passava a noite lá dentro, não havia sequer
motivo para arrumarem nada. E também naquela cidade no fim do mundo, não havia
turismo, praticamente. Eu sozinho durante um mês já seria uma fonte de lucros
imensa para o hotelzinho. Por outro lado, se eles cobrassem muito caro na
diária, eu não iria conseguir pagar com o meu salário de coveiro. Falando
nisso, eu trabalhava no cemitério, por isso que procurei uma casa que ficasse
de frente para ele. O salário era relativamente alto para quem só precisava
ficar colocando caixões dentro do jazigo e depois cimentando, ou tirando os
ossos antigos e colocando dentro de um saco no ossuário. Sem falar que a maior
parte do tempo eu não fazia nada além de assistir televisão com o porteiro.
Agora, com uma casa do lado do local de trabalho, eu poderia ir fazer uma
limonada para eu e o Tonho tomarmos enquanto assistíamos Sessão da Tarde. Ele
gostava de Domingão do Faustão, mas eu não podia assistir, domingo era um dos
dias mais lotados no cemitério. Às vezes, de manhã, também assistíamos os desenhos da Cultura. Descobri que tanto eu como ele gostávamos do sentimento de lembrar da infância. O Tonho uma vez me perguntou por que eu me
mudei para aquela cidade de velhos, para trabalhar num cemitério e ficar longe
dos amigos, dos bailes, das garotas da capital. Eu respondi que nada disso
realmente me interessava. Os amigos? Irritantes, não eram amigos de verdade. As
baladas? Irritantes, não eram divertidas de verdade. As garotas? Irritantes,
não eram mulheres de verdade, somente garotas. Preferia uma vida tranquila e
solitária no interior, trabalhando como coveiro mesmo. Eu também estava
planejando subir na carreira no cemitério, quem sabe me tornar maquiador, depois
vendedor de caixões e jazigos, mais tarde seria o gerente. Ou então
aproveitaria o imóvel que estava comprando e montaria uma floricultura, do lado
do cemitério. Tudo era promissor. Talvez não tão promissor quanto a minha vida
antes de mudar para aquela cidade, mas mesmo assim seria melhor para mim. Eu
acabei me mudando para lá depois de ver um anúncio na internet, no site da
cidade, dizendo que o cemitério e algumas lojas no centro estavam precisando de
funcionários. Eu nunca me dei bem com outras pessoas, preferi me tornar
coveiro, menos estressante e mais bem pago do que vendedor. Eu precisava sair
da minha antiga casa na capital. Eu sei que lá eu tinha um futuro, meus pais me
sustentariam por um bom tempo e eu poderia fazer uma faculdade. Mas não havia
mais como eu suportar aquela vida. Tudo o que eu fazia, antes devia ser julgado
pelos meus genitores. E maioria das vezes, eles só reprovavam minhas atitudes.
O clima de reprovação, de julgo, de desgosto com que todos me olhavam só me
fazia sentir um peso naquela casa. Não se relacionar bem com os pais é algo até
que normal, mas a partir do momento que você tenta fazer tudo ficar bem e a
única coisa que consegue são olhares de desprezo e de reprovação, sua única
vontade é de sair daquele lugar. Eu não sentia mais aquela casa como sendo um
lar. Parecia mais um presídio. Eu mal conseguia me aplicar aos meus estudos, de
tão mal que me sentia. Realmente valeu a pena ter me mudado para aquela
cidadezinha no meio do nada e longe de tudo. Pelo menos fiquei bem longe da
minha família. Vivia com humildade, mas o novo emprego e todas as minhas
tarefas de solteiro solitário ocupavam a minha mente, e eu já não me sentia
mal. Aos poucos, aquela quente, abafada, seca, minúscula e desabitada
cidadezinha do interior se tornava mais um lar para mim do que a capital foi
por todos os anos que eu morei lá.
