Nós vamos viajar juntos, nós vamos ver o mundo, deitar e
sonhar felizes, sentir o cheiro da garoa e da areia e das plantações. Perceber
só na tarde do dia seguinte todo o tempo que ficamos um com o outro, depois de
uma noite de luzes apagadas, traçando nossos planos para o futuro, conversando,
tocando, agarrando, sentindo. Não sei mais se minha lucidez está indo embora, por
outro lado, a mais crua e dura realidade. Não creio que plumas estejam saindo
em seus ombros, você não é real, a realidade me engana. Minhas vísceras ‘tão saltando
pra fora de mim. Eu tento não acreditar em demônios, mas esses vultos crescem cada
vez mais, cada vez mais entre as pessoas próximas, que pulam e festejam a minha
volta sem que eu possa ouvir uma única voz. Muito longe, todos longe demais. Como
pôde a sua luz virar sombra? Tornar seus caminhos em labirintos? O seu lugar, num
espaço vazio, oco, como um câncer me devorando?
Nós vamos ver as nuvens, nós vamos ver estrelas, deitar e
sonhar juntos, sentir o cheiro do café e do tabaco e da erva. Perceber só na
tarde do dia seguinte o círculo marrom carimbado no papel, depois de uma noite de
luzes acesas, traçando trilhas no meio da bagunça, compartilhando, conversando,
viajando. Preciso de uma fuga dessa sala escura. Se a luz não me mostrar um
caminho a seguir, que a fumaça me cegue de ver esse vão. Se esse vazio não
sumir de mim, vou morrer. Mesmo se não me matarem, eu vou morrer.