sábado, 25 de dezembro de 2010

Autopsicometeorologia

Debruçado no batente da janela, vendo o céu. Acinzentado, cheio de nuvens escuras. Parecia que ia chover. Não gosto de dias assim.

Eu conheço ela desde que tínhamos 9 anos. Carolina era filha de uma amiga de minha mãe. De início, eu não queria falar com ela. Ela era estranha. Minha mãe queria que eu fizesse companhia a ela e fosse seu amigo por que ela estava com leucemia. É triste, mas é verdade, uma garota de 9 anos com leucemia. Quando eu fui visitá-la pela primeira vez, as nuvens estavam escuras e altas como hoje, e chovia.

Quando Carolina teve alta e saiu do hospital, a mãe dela matriculou-a na escola onde eu estudava. Afinal, eu era seu único amigo. Ela era uma garota estranha, careca, mas com o passar dos meses foi se tornando a minha melhor amiga. Eu ficava o tempo inteiro conversando com ela, todos os dias.

Um dia, quando tínhamos 11 anos, estávamos brincando na quadra da escola. Eu bagunçava o cabelo dela, que já tinha crescido, e ela pulava em cima de mim para tentar bater na minha cabeça, mas não conseguia por que ela era muito baixinha. Em uma das suas tentativas de tentar pular em mim, ela escorregou numa poça de água da chuva e acabou batendo a cabeça no chão. Ela acabou tendo que ir para o hospital. Ela ficou internada e depois foi diagnosticado que sua leucemia havia voltado.

Foi um tempo difícil. Eu a visitava quase todos os dias no hospital. Lembro-me da primeira vez. Entrei no quarto dela e uma enfermeira me disse para pôr a máscara, pois minha amiga estava praticamente sem imunidade. Assim o fiz. Era um dia frio, e quando a enfermeira saiu do quarto, deixou a janela aberta. Eu fui fechá-la e a água que estava no trilho acabou esguichando no rosto de Carolina, do lado de seu olho. Eu fui enxugá-la com meu dedo. Passei minha mão no rosto dela. Ela fixou os olhos dela nos meus. Ela podia estar doente, careca e pálida, mas para mim ela parecia tão linda... Foi naquele momento que eu descobri que a amava de verdade.

Ela acabou pegando uma gripe no hospital enquanto era tratada. E como sua imunidade estava baixa e ela estava com problemas respiratórios, ela foi encaminhada para a UTI. Passou-se uma semana e ela ainda estava internada sem poder receber nenhuma visita. Toda a família dela já estava sabendo e eu já não tinha mais certeza se veria ela viva outra vez. Chorei muito. Foram dias angustiantes. Minha vida parecia ter parado por causa da situação dela. Mas ela acabou tendo alta da UTI e voltou ao tratamento normal da Leucemia. E depois, se recuperou da Leucemia também.

Quando ela voltou às atividades normais, estávamos mais próximos do que nunca. E em questão de alguns meses, estávamos namorando firme. Durante algum tempo ela foi tudo o que eu queria na minha vida. Seu sorriso me alegrava mais do que qualquer coisa. Mas depois de uns 3 anos, parecia que nosso amor tinha esfriado. Brigávamos por tudo. Eu não sentia mais a mesma atração por ela. Acabamos terminando nosso namoro. Ela ficou muito infeliz. Ela só queria saber de mim. E como estávamos na mesma sala, era uma tortura para ela me ver todos os dias e não me ter. E eu acabei sofrendo com isso também. Nosso namoro não tinha dado certo, mas eu ainda me importava com ela. No fundo, eu ainda a amava. Ela tentou voltar comigo, mas não deu certo.

Hoje, nós estamos com 17 anos. A leucemia a atacou outra vez e ela está no hospital. Eu fui visitá-la, mas acho que só a fiz se sentir mal pela nossa situação. Nós não conseguimos viver juntos, mas também é uma tortura ficarmos longe um do outro. Só sei que ela se sentiu mal, além de por causa da doença, por minha causa.

Depois que ela adoeceu, tudo ficou escuro, literalmente. Eu não paro de pensar nela, queria fazer alguma coisa para ocupar minha mente, mas tenho medo de que chova e eu me molhe. Fico olhando o relógio. Esperando receber alguma notícia dela. Tic. Tac. Tic. Tac. Mas nada. Viro minha cabeça para olhar pela janela, ver se tem algo acontecendo lá fora. Nada além das nuvens se movimentando. O telefone toca. Me levanto e atendo. A pessoa do outro lado da linha tem uma voz melancólica. Carolina morreu. Não. Coloco o telefone de volta no gancho. Não. Não pode ser. Minha cabeça gira. Não, isso não pode ter acontecido. Quero fazer alguma coisa, mas não tenho a mínima ideia do quê. Carolina não pode ter morrido. Meu corpo está mole. Sento-me de volta na cadeira. Coloco as minhas mãos na cabeça. Estou desesperando. Não consigo entender como Carolina pode ter morrido. Não consigo entender a morte. Meus olhos começam a se encher de lágrimas. Não, isso não é possível. Não é possível. Olho para fora para tentar me distrair, e, para acompanhar minhas lágrimas, sinto uma única gota de água caindo do céu cinzento diretamente no meu rosto, do lado do meu olho.
 
 
 

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